segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

REQUERIMENTO

Exmos. Senhores

Ministro da Educação e Ciência
Prof. Doutor Nuno Crato
Avenida 5 de Outubro, 197
1069-018 Lisboa

 e

Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Dr. Paulo Portas
Palácio das Necessidades, Largo do Rilvas
1399-030 Lisboa

REQUERIMENTO

Madalena Homem Cardoso, portadora do B.I. nº (), emitido pelos S.I.C. de Lisboa em (), mãe e Encarregada de Educação de Inês (), aluna nº () da turma () do 3º ano da EB1 (), em Lisboa, na sequência da Carta Aberta por si dirigida a S. Exa. o Senhor Ministro da Educação com data de 24/03/2012, para a qual não logrou obter qualquer resposta durante os mais de nove meses desde então decorridos, vem interpelar Vossas Excelências por via do presente requerimento, tendo em conta que:

(1) Toda a exposição contida na aludida Carta Aberta (reproduzida aqui) se mantém actual e pertinente, e bem assim se mantêm incontestados os fundamentos que justificaram e justificam o inflexível posicionamento da requerente quanto à introdução do dito “acordo” dito “ortográfico” (AO90) na aprendizagem escolar da sua filha e educanda, no que entende ser uma responsabilidade sua que não delega, de que não se demite, no exercício do poder-dever parental.

(2) Enquanto cidadã, resta à requerente verificar tratar-se de um enorme conjunto de crianças em processo de alfabetização que está a ser lesado de modo grave e irreversível no que de outra forma seria a sua plenipotenciária aprendizagem da Língua Portuguesa escrita. As crianças, muitos milhares de crianças, estão a ser privadas do contacto estruturado e estruturante com as subtilezas e complexidades do idioma em tempo oportuno do seu desenvolvimento cognitivo – tal qual se tratasse de um instrumento musical que requer um contacto irrestrito precoce para ser dominado com a possibilidade de atingir patamares de excelência, não de mera competência básica.

(3) Por efeito da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 8/2011, o Ensino Básico foi atingido na leva da Administração Pública, com negligência grosseira, sem a prudência mínima exigível de atender aos pareceres idóneos existentes, ou de promover estudos técnicos credíveis prévios, quanto aos impactos expectáveis desta medida administrativa acrítica, assentando na ignorância e promovendo a ignorância, naquela que é talvez a mais nobre função do Estado, a de assegurar a transmissão de saberes, em particular os da herança histórico-cultural colectiva, aos mais jovens, independentemente do seu contexto social. Decorre o segundo ano lectivo desde que estes foram tornados cobaias de uma experiência desastrosa, contrária à vontade da maioria esmagadora da população e prosseguida à revelia do entendimento unânime dos especialistas (exceptuados os autores-usufrutuários do atentado cultural em curso).

(4) Por se tratar de “directiva da tutela” que começou a “vigorar” (embora ilegalmente, de acordo com diversos pareceres jurídicos) no ano lectivo de 2011-2012 e foi “diligentemente” seguida pelos dois grandes grupos editoriais que monopolizam o mercado dos livros escolares (Grupo Leya e Grupo Porto Editora), os professores viram-se compelidos a “recomendar” a aquisição de manuais redigidos no que a requerente vem designando, informalmente, por um “acordês-mixordês” errático, o qual conta com o beneplácito de uma obscura entidade certificadora. Desta forma surge o texto nos livros escolares, também porque os instrumentos que é suposto assumirem o modo oficial de aplicar o AO90 contradizem as disposições nele contidas (tal como os dicionários e “corretores” ortográficos privados variam nas interpretações do AO90, são discrepantes entre si e com os instrumentos oficiais). Porém, perante a “recomendação” de manuais feita pelos professores que, por larga maioria, se acham igualmente reféns, sentem-se os Encarregados de Educação – com poucas excepções, entre as quais a requerente se inclui – intimados a adquirir livros escolares onde o Português surge delapidado, isto é, forçados a subsidiar (e este subsídio não é despiciendo no orçamento da maior parte das famílias!) tais actos de vandalismo cultural, patrocinando antecipadamente um ensino inquinado por esses atropelos, sob pena de os seus educandos terem “faltas de material”, e assim o Estado indirecta e perversamente impõe aos cidadãos que sustentem os negócios vários que se fazem à custa do património identitário de todos e de uma deficiente aprendizagem dos mais novos, cujas sequelas são graves e irreparáveis.

(5) Surge na Declaração Final emanada da VII Reunião de Ministros da Educação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de 31/03/2012, da qual S. Exa. o Senhor Ministro da Educação foi co-signatário, a admissão de que a aplicação do AO90 enferma de “constrangimentos e estrangulamentos” (sic), pelo que a mesma Declaração Final delibera seja feito um diagnóstico desses problemas com vista à “apresentação de uma proposta de ajustamento ao Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990? (sic), ou seja, uma revisão da redacção do AO90 enquanto tratado internacional cuja aplicação prática está a ser feita exclusiva e unilateralmente por Portugal. Desta, os resultados calamitosos são observáveis em todos os domínios (pelo apagamento da etimologia, pela desagregação de famílias de palavras e de conexões de sentidos, pela perda do vínculo com as outras grandes línguas cultas europeias transcontinentais, pelas repercussões intoleráveis na terminologia técnico-científica e nos vocabulários especializados, etc.). Instalou-se um caos “heterográfico” que a todos os portugueses cobre de ridículo (vide a nossa apresentação “Caos Ortográfico em progressão para o Linguicídio”, em anexo), o qual vem cilindrando a outrora estável variante euro-afro-asiática-oceânica do Português, apenas neste país que fez em tempos aportar noutros continentes a matriz comum. Eis de uma longa construção a rápida destruição, despudorada e mercantil, prospectiva (ao lesar o ensino da língua aos mais novos) e retrospectiva (ao pretender achincalhar por esta via todo o património literário).

(6) A despeito do iminente diagnóstico, para posterior revisão, ou “ajustamento” (sic), do texto do AO90, ambos sine die, na sequência da deliberação conjunta assinada na referida declaração pelo Senhor Ministro da Educação de Portugal, são canalizados subsídios públicos definitivos para reedições provisórias, num incompreensível afã de “atualizar” o acervo das bibliotecas escolares, mesmo sendo óbvia a sua rápida obsolescência. De facto, ou haverá uma necessidade futura de “re-reeditar” (após o “ajustamento” projectado) tudo que agora for reeditado, ou então haverá que descartar estas reedições para a reciclagem de papel, sendo que o AO90 em si mesmo não é “reciclável”, em razão da sua “multi-toxicidade” – aquela que lhe advém das excepções, das facultatividades, dos erros, das falsas premissas.

(7) O teor do Decreto nº 7875, assinado em 27/12/2012 pela Senhora Presidente da República Federativa do Brasil, protelando a aplicação obrigatória do AO90 neste país para 2016, não só faz prever o advento de um decreto análogo em Dezembro de 2015, considerando a tradição histórica brasileira neste domínio, como ainda permite inferir que a referência aos “constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990? (sic) tenha surgido na Declaração Final da VII Reunião de Ministros da Educação da CPLP, não por iniciativa de Portugal (por amor-próprio ou elementar bom senso), o único país signatário que temerariamente encetou uma tentativa desconexa e irresponsável de aplicação prática do AO90, mas sim por iniciativa do Brasil, país onde a comunidade científica e a comunidade docente são auscultadas pelos decisores políticos, e onde parece prevalecer a teoria de que deverá aproveitar-se a oportunidade – presume-se oportuna a ostensiva permeabilidade de Portugal ao “linguicídio” – para introduzir-se uma radical simplificação no idioma, eventualmente com extinção da letra “h” (“consoante muda” mais muda não há…), entre outras ideias aventadas como contributos para a invenção da novilíngua do Brasil (cfr. George Orwell, “1984?).

Em vista destas verificações, atenta a gravidade do assunto em apreço, e ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP), respeitante aos direitos e garantias dos administrados, no nº 1 do artº 52º da CRP, relativo ao direito de petição, e no nº 2 do artº 48º da CRP, que consagra o direito de participação na vida pública [cfr. artº 9º, nº 1, proémio, do Código do Procedimento Administrativo, cfr. também alíneas a) e b) do mesmo preceito; cfr. artº 104º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], vem a requerente solicitar a Vossas Excelências se dignem informá-la (tornando público) se houve algum ou alguns estudos ou pareceres que, apresentado(s) por algum ou alguns dos representantes dos países membros da CPLP na referida VII Reunião de Ministros da Educação, incluindo Portugal, tivesse(m) servido de fundamento ou respaldo das afirmações e deliberações contidas no ponto 3 da Declaração Final dela resultante. Cumulativamente, a requerente vem solicitar a Vossas Excelências se dignem prestar informação sobre a existência de outros estudos ou pareceres incidindo sobre o AO90 e/ou sobre a aplicação deste, posteriores à publicação da RCM nº 8/2011, que tenham chegado ao conhecimento do Governo de Portugal, fora do âmbito da cimeira referida, de proveniência nacional ou oriundos de países terceiros.

Caso existam tais documentos, e igualmente ao abrigo da legislação acima invocada, vem a signatária requerer ainda a Vossas Excelências lhe seja dado (fazendo-os públicos) conhecimento integral do conteúdo dos mesmos.

Pede deferimento,

Lisboa, 8 de Janeiro de 2013

[assinatura conforme B.I.]

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