terça-feira, 24 de abril de 2012

As Portas que Abril Abriu


Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão
.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril f
ez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
- cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

Poema de José Carlos Ary dos Santos
Lisboa, Julho-Agosto de 1975

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Carta de Madalena Homem Cardoso dirigida ao Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, a propósito do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa



MADALENA HOMEM CARDOSO

MÉDICA


Lisboa, 24 de Março de 2012

Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação e Ciência:

No exercício do poder paternal, cumpre-me dirigir-me a Vossa Excelência para, com a maior deferência, comunicar ao Ministério da Educação e Ciência, na pessoa do seu máximo responsável, que não posso de forma alguma autorizar que a minha filha e educanda, lnês X, com sete anos de idade, aluna n° X do 2° ano (Turma X ) na EB1 X, seja ensinada de modo não conforme à ortografia actualmente em vigor (aquela que foi promulgada pelo Decreto-Lei n° 35.228/1945 de 8 de Dezembro, e depois ratificada com alterações mínimas pelo Decreto-Lei n° 32/1973 de 6 de Fevereiro, sendo que, até à data, nada na ordem jurídica interna portuguesa veio revogar estes Decretos-Leis).

Em particular, no papel de encarregada de educação, não posso anuir a que a aprendizagem da minha filha seja perturbada pelo autodenominado "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)" (que passarei a referir por "AO90"), o qual não é "acordo", pois conta com a oposição quase unânime dos especialistas em língua portuguesa e da esmagadora maioria dos falantes-escreventes de Português de Portugal, tendo resultado de uma antidemocrática e antipatriótica sucessão de atropelos ao bom senso e à Lei, e o qual não é "ortográfico", pois contradiz em si mesmo a própria noção normativa de "ortografia" ao consagrar facultatividades e excepções como regras numa compilação pejada de incongruências e ambiguidades, e cuja aplicação, caso fosse desejável (não o é), caso fosse legal (não o é), se torna em tantos casos impossível, na ausência de um Vocabulário Ortográfico Comum (pressuposto, no próprio AO90, para sua aplicação, e sem o qual as ferramentas informáticas que visem aplicar o AO90 estarão a violar disposições nele contidas).

Mais solicito que a observância pela ortografia em vigor se verifique no presente ano lectivo e seguintes, pois compete-me exercer o poder paternal no sentido de suprir a incapacidade que a minha filha menor tem de assegurar sejam respeitados os seus direitos, liberdades e garantias de cidadã previstos na Constituição da Republica Portuguesa (CRP). Venho portanto, em nome dela, invocar a leitura que faço - por crer ser esta a interpretação do senso-comum - do seu direito à identidade cultural e à língua, da sua liberdade de expressão (art. 37° CRP), da sua liberdade de aprender (art. 43° n° 1 CRP), e do seu direito ao ensino (art.75° n° 1 CRP).

Fundamento e esquematizo esta solicitação nos quatro pontos que passo a enumerar, para depois concretizar e especificar cada um deles:

1. 0 AO90 não está em vigor;

2. Ainda que "vigorasse", o AO90 sempre seria uma prepotência-de-Estado, havendo especialistas que defendem que é ilegal e mesmo inconstitucional;

3. Ainda que estivesse em vigor e fosse legitimo ao Estado impô-lo aos cidadãos, muitas disposições do AO90 não são aplicáveis sem um Vocabulário Ortográfico Comum, e a criação de ferramentas informáticas visando aplicá-lo viola implicitamente o disposto no próprio AO90, além de que se prevêem alterações à sua redacção até 2015, o que exclui que os alunos possam ser constituídos "cobaias", vitimas de uma "aprendizagem" de "normas ortográficas" assumidamente provisórias;

4. Todos os cidadãos portugueses (em particular os que assumem especiais responsabilidades na transmissão do património linguístico às gerações futuras) têm, mais que o direito, o dever de desobediência (art.º 0 21° CRP: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias...") e de objecção de consciência (art.º0 41° n° 6 CRP) a recomendações ministeriais ilegais, além de prematuras e de impraticáveis em muitos aspectos.

Começo por sublinhar, apoiada em vários pareceres de credenciados juristas, que...

1. 0 AO90 não esta em vigor, vista que:

a) Na ordem jurídica interna portuguesa, o AO90 resume-se a uma Resolução da Assembleia da Republica (RAR n° 35/2008) e a uma Resolução do Conselho de Ministros (RCM n° 8/2011 de 25 de Janeiro), sendo que ambas constituem meras "recomendações", não têm estatuto de Lei capaz de revogar dois Decretos-Lei, vinculativos, hierarquicamente acima dessas figuras, dai que a norma ortográfica de 1945 (com as pequenas alterações de 1973) não foi revogada.

b) A disposição invocada (RAR n° 35/2008) para a suposta "vigência" do AO90 resultou de um procedimento antidemocrático da Assembleia da Republica (AR), enquanto órgao de soberania de um Estado de Direito: (I) onde se admitiu a votação de deputados que não dispunham de um mandato eleitoral claro dos cidadãos (em vista dos programas partidários sufragados) para os representarem numa questão vital como a da língua portuguesa; (Il) onde se admitiu a sujeição dos mesmos deputados a disciplina partidária (com excepção de um único pequeno partido com assento parlamentar) num assunto que, indubitavelmente fora do âmbito ideológico, remete para a consciência individual; e (Ill) onde não foram considerados inúmeros pareceres desfavoráveis (todos menos um, o único parecer favorável, curiosamente assinado por Malaca Casteleiro em causa própria), de especialistas e entidades, alertando para os efeitos nefastos previsíveis do AO90. Estes teriam sido retidos no lnstituto Camôes se não tivesse sido requisitado o seu envio à AR, mas depois não foram consultados, quanta mais debatidos, antes da aludida votação.

c) À luz do Direito lnternacional, uma suposta entrada em vigor unilateral do AO90, num dos Estados signatários, antes que seja ratificada por todos, não apenas violaria a tradição da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), violaria a Convenção de Viena (CV) sobre o Direito dos Tratados (art.º0 24° n° 2 CV), assinada por Portugal em 1969. Seria aliás muito contraditório algo que apregoa uma intenção supostamente "unificadora" pretender legitimar-se e tornar-se apressadamente "facto consumado" com a ratificação de 3 entre 7 (agora 8) países.

A despeito da sua suposta "vigência", perante a esmagadora maioria de quem se exprime em Português de Portugal...

2. 0 AO90 configura uma prepotência-de-Estado, sendo apontado por vários especialistas como ilegal e mesmo inconstitucional. O espirito da Lei, em particular da CRP, tai como se apresenta à leitura do cidadão médio, coloca o Estado na posição de defensor da língua, não confere de modo algum ao Estado o poder de alterá-la com o propósito de torná-la instrumental para fins políticos. Note-se que:

a) Fernando Pessoa, sobre a reforma de 1911, escreveu: "A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. 0 Estado nada tem com o espirito. 0 Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugna, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito. No Brasil a chamada reforma ortográfica não foi aceite, nem ainda hoje, depois de assente em acordo entre os governos português e brasileiro, é aceite. Quis-se impor uma coisa com que o Estado nada tem a um povo que a repugna." (in "Pessoa Inédito"; Lisboa: Livros Horizonte, 1993)

b) Escrita e oralidade são meios autónomos e complementares de manifestação do saber linguístico, em cada idioma. A importância da língua escrita (e da sua norma gráfica) é tanto maior quanta mais complexa e "textualizada" for a vida e a memória de uma sociedade, de uma cultura. A ortografia é garantia incontornável da estabilidade da língua escrita como elemento-chave da identidade nacional, visto que assegura em si mesma a inteligibilidade e a continuidade na transmissão do acervo histórico-cultural, da memória colectiva, de geração em geração, e é além disso portadora de uma simbólica e uma poética próprias, cuja delicada subtileza e riqueza se relacionam intimamente com a antiguidade da língua em apreço e com todo o património literário que lhe está associado.

c) Consta dos "Princípios Fundamentais" da Constituição, a par com os símbolos nacionais, e não como "adereço": "A língua oficial é o Português" (art. 11° n° 3 CRP). É o Estado que, por estar subordinado à Lei, se subordina à língua; não é o Português que está sob a alçada do Estado. Uma coisa será oficializar-se o que o uso já consagrou, ajustar-se a norma a uma evolução natural, espontânea, que já se verificou no correr do tempo; outra bem diferente, e inadmissível, é o Estado pretender mudar a língua por decreto, tentar operar nela uma "evolução artificial" sejam quais forem as motivações. A língua é algo vivo e delicado, a respeitar, com reverente humildade, na sua antiguidade e no seu futuro. Não é por as águas territoriais portuguesas pertencerem a Portugal que o Estado Português pode achar-se no direito de contaminá-las. Há valores que lhe são superiores, há matérias que lhe estão vedadas (como as do foro íntimo dos cidadãos), e a própria democracia está em perigo se o Estado desconhece os seus limites.

d) "A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português." (art. 2° n° 2 da Lei de Bases do Património Cultural), e é tarefa fundamental do Estado "Proteger e valorizar o património cultural do povo português" (art. 9º alínea e CRP) de que a língua é elemento essencial.

e) Uma língua "expurgada" de etimologia, de cultura(s) - e o Português é a riqueza da diversidade cultural de tantos países e regiões do Mundo! -, de passado(s) histórico(s), não tem futuro. Mudada por conveniências e circunstâncias, mesmo admitindo a duvidosa e impraticável intenção de torná-la um "Esperanto lusófono", a língua portuguesa passaria a ser artefacto de comunicação sem valor. Existiria sem "ser", tal como o Esperanto: língua sem cultura, sem vitalidade nem substância.

Em vigor que estivesse, e nas competências do Estado que se enquadrasse, é, de qualquer forma e em muitos casos, impraticável aplicar o AO90 rigorosamente e, sobretudo, constitui grave irresponsabilidade tentar ensiná-lo a estudantes, pois...

3. Varias disposições do AO90 são difíceis, por vezes impossíveis, de aplicar sem Vocabulário Ortográfico Comum {VOC), e a sua redacção será (ou, melhor, as suas redacções serão) previsivelmente objecto de alterações até 2015:

a) As tentativas de aplicar o AO90 são especulativas, por se basearem apenas num conjunto de regras genéricas ilustradas com alguns exemplos, delas tentando inferir extensões das mesmas regras a casos não exemplificados. Tais tentativas caem, dessa forma, em conclusões "mais acordistas que o acordo" ao estabelecerem critérios quando a uniformidade de critérios esta ausente, ela própria, do AO90, documento que tem a característica peculiar de consagrar a excepção como {sua) regra. Este fenómeno resultou de as diferentes "secções" do AO90 terem sido entregues, pelo principal responsável pela sua elaboração (Malaca Casteleiro), a diferentes pessoas, que por sua vez adoptaram critérios distintos no desenvolvimento das respectivas "secções", dai a não-uniformidade de critérios ter sido notória aquando da compilação final da "manta de retalhos". Perante isso, bem mais fácil do que tentar uniformizar critérios "a posteriori", preferiu-se optar por consagrar todas as excepções que fossem necessárias, com vista a dispensar uma revisão global do texto do AO90.

A titulo de exemplo, leia-se a alínea g do n° 1 da Base XIX do AO90: "1. A letra minúscula inicial é usada: (...) g) Nos nomes que designam domínios do saber, cursos e disciplinas (opcionalmente, também com maiúscula): português (ou Português), matemática (ou Matemática); línguas e literaturas modernas (ou Línguas e Literaturas Modernas)." (sic). A norma tem uma redacção absurda, pois contém uma regra que é logo infirmada pela excepção, excepção essa que tem um âmbito igual ao da regra e assim lhe retira eficácia vinculativa, concluindo-se, com estupefacção, que a regra foi escrita para estabelecer que não existe regra.

Nos próprios enunciados, o AO90 comete erros ortográficos "tout-court" (como "insersão" e "bênção") e erros ortográficos nos termos da grafia que vem propor, além de omitir, em certas páginas, as facultatividades que, noutros locais, consagra.

Quanto à seriedade deste "trabalho", está tudo dito.

b) Ao tentar pôr em prática o AO90, qualquer aprendiz-de-grafador da novilíngua (no sentido orwelliano deste termo) que seria o Português "acordizado", qualquer aspirante a criador de ferramenta informática destinada a alterar textos em conformidade com o AO90, qualquer professor que tente ensiná-lo, estará a violar os próprios termos do AO90. O art. 2° do AO90 estipula que "Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração (...) de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível (...). " (sic). Este VOC nunca foi feito, e parece que nunca será feito, pelo menos não nos termos previstos pelo próprio AO90, que o investe do estatuto de condição "sine qua non" para a sua própria aplicação. Abstractos (e mal feitos), temos um AO90 publicado no Diário da República (DR), em Portugal, e um AO90 (com diferente redacção) publicado no Diário Oficial da União (DOU), no Brasil. Nada mais. Pelas seus próprios termos, o AO90 ficou pendente de um facto futuro que nunca chegou a verificar-se.

c) Na ausência do VOC, o Brasil avançou unilateralmente para a produção de um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), contendo alterações ao AO90 tai como foi publicado no DOU. Em Portugal, surge uma bizarra Resolução do Conselho de Ministros (RCM n° 8/2011) que determina que a aplicação do AO90 se fará mediante a adopção de dois trabalhos encomendados pelo Governo ao ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional), nos quais também foram introduzidas alterações ao AO90 tal como publicado no DR, em Portugal...

d) O XVIII Governo Constitucional entregou, portante, tal "missão" a um instituto universitário, o ILTEC, fazendo tábua-rasa da lei que determina ser a Academia das Ciências de Lisboa (ACL) a instituição competente nestas matérias, por entender não ter a ACL condições de corresponder a tais solicitações (e entender também não lhas criar). Financiadas as duas "obras" destinadas a ser a "adivinhação oficial portuguesa" das regras abstractas do AO90, constituindo a futura norma prática do Português em Portugal, a saber, o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o "conversor ortográfico Lince", o Estado Português pretende depois disso que se tome por "legislação" uma RCM que designa por "nova ortografia em vigor" os resultados da "encomenda" feita à revelia da ACL e à revelia dos restantes Estados signatários do AO90.

e) Diz a alínea c do n° 1 da Base IV do AO90, sobre o "c" e o "p" das sequências consonânticas interiores: "Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção" (sic). Mas o "conversor Lince", programa informático destinado à conversão automática de textos para versões "acordizadas", não permite aos utilizadores optar livremente entre as "facultatividades": faz uma escolha (determinada por insondáveis critérios de frugalidade consonântica), poupando-os assim "deus ex machina" a decisões pessoais. Portanto, o "conversor Lince" não respeita o AO90, não pode pois considerar-se que permita aplicá-lo.

Para além disto, alheado de que o conceito obscuro de "pronuncia culta" estava já em desuso aquando da redacção do AO90, fazendo tanto sentido resgatá-lo quanto resgatar o próprio AO90 da "gaveta" onde fora deixado, o XVIII Governo Constitucional não chegou a fazer uma outra encomenda ao ILTEC... Competia-lhe, tendo em conta o texto do AO90, solicitar também o desenvolvimento um aparelho, talvez chamado "fonoestilómetro", capaz de permitir aferir quão mais culta, ou menos culta, é a pronúncia do Pedro, de Curitiba, que a da Ana, de Carrazeda de Ansiães...

Não apenas o "conversor Lince", também o VOP do ILTEC é uma obra-prima, onde surgem do nada afirmações peregrinas como a de que "tacto" e "olfacto" são palavras que apenas no Brasil se escrevem com "c", e onde a presença ou ausência de hífenes permite distinguir entre os diferentes significados da palavra (ou expressão) "bicos(-)de(-)papagaio"...

f) Dos diferentes "exercícios de adivinhação" envolvidos na criação de instrumentos, no Brasil e em Portugal, e por diferentes entidades (como a Priberam, criadora do "corretor Flip", ou o ILTEC, criador do VOP e do "conversor Lince"), para aplicar o AO90 na ausência de um VOC resultou a curiosa saga do hífen nas palavras formadas pelo prefixo "re-" quando o segundo elemento começa por "e". A Priberam concluiu ser escusado respeitar a letra e o espirito do AO90, dado que vingou a excepção instituída no VOLP pela Academia Brasileira de Letras (ABL) invocando fazê-lo "em atenção à tradição lexicográfica" (a mesma com que o AO90 pretendia romper), excepção essa logo adoptada pelo VOP do ILTEC, VOP esse que, por sua vez, foi indicado pela RCM n° 8/2011 como obra lexicográfica de referência em Portugal, nomeadamente no ensino, a partir do ano lectivo de 2011/2012.

0 Departamento de Linguística da Priberam, considera que, ainda assim, a tradição do registo lexicográfico de certas palavras poderá ser argumento invocável quando o AO90 é omisso, como é o caso de “connosco/conosco"...

g) Recentemente, o Senhor Secretario de Estado da Cultura revelou que irão ser feitas diversas alterações ao AO90 até 2015, as quais serão sempre decididas pela comissão cientifica multilateral que esta a elaborar o VOC.

Sendo o(s) texto(s) do AO90 texto(s) provisório(s), logo sendo provisórios também os instrumentos adoptados na RCM n° 8/2011 para aplicá-lo na ausência de um VOC, como crê o Ministério da Educação e Ciência ser possível ensinar Português tomando como referência algo "novo" cujas regras serão revistas durante os próximos três anos? O "desconchavo ortográfico" chegou às salas de aula...

Como irão legitimamente sentir-se, perante isso, as crianças e os jovens, se pais e professores se demitirem das suas responsabilidades?

Pretende-se sujeitar os professores a fazer, eles próprios, uma penosa "aprendizagem" de algo que, além de incongruente, está em mutação; pretende-se que a façam para poder ensinar aos alunos, hoje, o que estará errado amanhã?

E como podem os pais e encarregados de educação aceitar para os seus filhos e educandos esse papel de "cobaias" de um Estado irresponsável?

Em conclusão, impõe-se aos cidadãos portugueses defender intransigentemente aquele que é o aspecto mais nobre e frágil (porque imaterial) do seu património cultural, a língua portuguesa na sua riqueza e diversidade, e em particular a integridade da variante do Português de Portugal.

Impõe-se ainda aos pais e encarregados de educação pôr essa defesa em prática no que diz respeito aos seus filhos e educandos, enquanto menores, quer ensinando-lhes em casa a ortografia em vigor, quer exigindo aos professores e às escolas que procedam de igual modo.

4. Todos os cidadãos portugueses têm o direito (e o dever) de desobediência (art. 21° CRP) e de objecção de consciência (art. 41° n° 6 CRP) perante recomendações governamentais que atentem contra os seus direitos, liberdades e garantias.

a) O AO90 traz em si mesmo, implícita, a grave negligência do Estado Português em acautelar uma prudência mínima no desempenho de uma das suas Tarefas Fundamentais (art. 9° alínea f CRP: "Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa"), dado que não foram pedidos quaisquer estudos independentes prévios sobre os impactos (fonéticos e outros) das alterações ortográficas propostas, na variante euro-afro-asiática-oceânica do Português, e uma vez que os trabalhos voluntariamente elaborados por especialistas idóneos para antever esses efeitos, pela facto de desaconselharem com veemência a adopção do AO90 à vista das conclusões alcançadas, não foram tidos em conta.

O direito de petição (art.º0 52° CRP) foi também muito expressivamente exercido, sem consequências práticas.

Dai que compete aos cidadãos suprir, através da intervenção cívica, ainda que na forma de desobediência civil, tal falta de zelo do Estado no seu dever de preservação do património linguístico colectivo, devendo agir em conformidade com o repúdio que o AO90 causa, por via do mero bom-senso, a pessoas medianamente instruídas.

b) Foi gravemente negligente, além de impositiva, a "fuga para a frente" em que o poder politico se apressou a declarar o AO90 "em vigor", ainda que largamente contestado nos meios académicos e pela população, ainda que na ausência do VOC que seria condição necessária para aplicá-lo, e ainda que não ratificado por países como Angola ou Moçambique.

Nessa "fuga para a frente", foram "investidos" todos os recursos, desde logo contando-se com a subserviência acrítica do canal publico de televisão e com a imposição às escolas básicas e secundárias levada a cabo pelo Ministério da Educação e Ciência (ajudada por manuais escolares "acordizados" de editoras que trocaram o valor pecuniário desta oportunidade de negócio pelos valores que anteriormente haviam invocado na defesa da língua), ao longo do ano 2011.

E disse-se "obrigatória" a instalação de ferramentas informáticas que apenas se revelam eficazes em destruir e pôr ridícula a língua portuguesa (pois não logram sequer respeitar o AO90) em todos os serviços públicos ou sob tutela do Estado, a partir de Janeiro de 2012.

c) Para estupefacção de um Pais, soltou-se o monstro da mercantilização destrutiva da língua portuguesa, fabricado pela diligência de uns poucos "interessados", e instalado na vida da sociedade portuguesa - à revelia - pela negligência grosseira de muitos "desinteressados", sendo já notórias as graves consequências do "caos ortográfico instalado" resultante desta tentativa de criar um "facto consumado" à custa do património linguístico e da identidade cultural de todos os portugueses.

Assistindo-se já habitualmente a um uso deficiente do Português por parte de políticos e de jornalistas cada vez mais impreparados, registou-se neste processo um "salto qualitativo" para ainda pior, e é possível agora ouvir-se na boca de jornalistas uma pronúncia "modernaça" de certas palavras (como "contato"!), é possível assistir-se ao "primado do vestuário" na pena do legislador, em pleno Diário da República (como expressões do tipo "razões de fato e de direito", "fatos ilícitos" ou "união de fato"!), entre outras fenómenos rocambolescos quotidianos supervenientes a uma "choldra ortográfica" sem precedentes porque exponenciada pela ignorância que adveio da mísera qualidade do ensino em Portugal nas ultimas décadas.

Assiste-se a um "não saber escrever" enxertado noutro "não saber escrever" prévio.

O cenário é pesadelo, quase ubiquitário, e urge pôr-lhe fim o quanto antes, quando, consensualmente, o interesse nacional é que se ensine bem a variante euro-afro-asiática-oceânica da língua portuguesa, em lugar de delapidá-la, de destituí-la das raízes etimológicas que constituem o necessário vínculo "orgânico" do corpo da língua, agregando famílias de palavras e conexões de sentidos.

Se o poder politico não assumir as suas responsabilidades nesta matéria, que sejam os cidadãos assim não representados a fazer valer o conceito de Estado de Direito. Se não nos respeitarmos, quem nos respeitará?

d) A norma ortográfica de 1945 continua a ser respeitada (e a fazer-se respeitar) por entidades e instituições que não se demitiram do seu papel de referência, quer na defesa dos valores culturais (Centro Cultural de Belém, Fundação de Serralves, Casa da Música), quer na manutenção de um prestigio académico posto em causa por uma minoria dos seus membros (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), quer na especial responsabilidade de incumprir directivas ilegais e fazer cumprir activa e rigorosamente a Lei em vigor (2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, Tribunal do Barreiro). É expectável que a estas atitudes íntegras e corajosas se sigam outras, pois cada cidadão deve começar por si mesmo a mudança que espera ver no seu Pais.

A fundamentação que acabo de expor resulta de uma reflexão própria e de uma síntese pessoa! apoiada, quer em pareceres (jurídicos, linguísticos e outros) que são públicos e foram produzidos por profissionais credíveis e independentes (quase todos eles constantes da "Biblioteca do Desacordo Ortográfico", disponível na Internet), quer em testemunhos públicos de pessoas ligadas aos meios académicos onde o AO90 foi produzido (esses disponíveis no sitio oficial da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, também na Internet), quer ainda em informação disponibilizada publicamente pela Assembleia da Republica.

De facto, não posso deixar de referir, com particular gratidão, as perspectivas e todo um diligente trabalho colectivo de organização e comunicação de contribuições, de denúncia de paradoxos e desconchavos, de estimulação do debate neste âmbito, em que consolidei, aprofundei e enriqueci as minhas próprias posições nesta matéria, desde 1986, de que destaco os nomes de Francisco Ferreira de Almeida, Paulo Jorge Assunção, lvo Miguel Barroso, Maria Leonor Carvalhâo Buescu, Miguel Esteves Cardoso, Victor Santos Carvalho, José de Faria Costa, João Roque Dias, António Emiliano, José Gil, António Guerreiro, António de Macedo, Vasco Graça Moura, Teresa Ramalho, Maria Alzira Seixo e Francisco Miguel Valada.

Creia-me uma admiradora de Vossa Excelência, alguém que acompanhou com o maior interesse durante os últimos anos as intervenções públicas desassombradas sobre os problemas do Ensino em Portugal, reveladoras de uma integridade de carácter e de uma inteligência crítica em relação directa com um exercício da Politica no sentido mais nobre desta palavra. Convicta de que a Matemática é estruturante do "saber pensar" a todos os níveis, para as nossas crianças, até mesmo para a estruturação de um pensamento ético, foi com enorme agrado que registei a chegada de um matemático às funções de Ministro, num Ministério tão carenciado de racionalidade e lógica. A admiração que já tinha converteu-se pois, perante a escolha de V. Exa. para assumir as responsabilidades actuais, numa grande esperança, a esperança de que o "saber pensar" conseguisse "saber agir", uma expectativa que creio partilho com muitíssimos outros cidadãos portugueses de todos os pontos do espectro político-partidário.

Certa do bom acolhimento desta missiva, tomo a liberdade de torná-la pública esperando que este posicionamento de cidadã e de encarregada de educação possa contribuir para a salvaguarda de um património colectivo fruto de tantos séculos de Historia e de uma Literatura que tanto nos orgulha. Por entender que esse legado das gerações passadas é pertença das gerações futuras, e que dele urge sermos todos "fiéis depositários" activos, neste contexto tão anómalo que faz recair sobre esta geração uma especial responsabilidade de impor a preservação decente e digna da língua portuguesa, manifesto-me antecipadamente grata pelas diligências que apoiem o direito que a minha filha lnês tem de ser ensinada segundo a norma ortográfica em vigor (sem contacto com o AO90) e subscrevo-me com elevada consideração,

Madalena Homem Cardoso