domingo, 26 de junho de 2011

A RESPONSABILIDADE DOS BANQUEIROS PELA CRISE QUE PORTUGAL ENFRENTA, E PELO ACTUAL ESTRANGULAMENTO FINANCEIRO DAS EMPRESAS

Estudo da responsabilidade do economista Eugénio Rosa
Resumo deste Estudo


(clicar nos quadros para aumentar)

Em Portugal, a concentração bancária é muito superior à média da U.E. Segundo o Banco de Portugal, em 2009, os cinco maiores bancos a operar no nosso País controlavam mais de 70% do valor dos “activos” de todos os bancos, quando na U.E. os cinco maiores bancos controlavam, em média, em cada país 42% dos “activos”.Este poder já enorme dos cinco maiores bancos é ainda aumentado pela posição dominante que também têm nos outros segmentos de mercado do sector financeiros (seguros; fundos de pensões; fundos de investimento mobiliário; fundos de investimento imobiliário; e gestão de activos). Esta situação, associada ao facto de uma parte importante do capital dos 4 maiores bancos privados já pertencer a grandes grupos financeiros internacionais, dá-lhes um imenso poder sobre o poder politico e sobre todo o processo de desenvolvimento em Portugal, condicionando-o de acordo com os seus interesses
A banca é um negócio “especial”, pois os banqueiros negoceiam fundamentalmente com dinheiro alheio obtendo assim elevados lucros. Segundo o Banco de Portugal, em Dezembro de 2010, o valor de todos os “Activos” da banca a operar em Portugal atingia 531.715 milhões €, enquanto os chamados “Capitais Próprios” da banca, ou seja, o que pertencia aos seus accionistas, somava apenas 32.844 milhões €, isto é, correspondia a 6,2%; por outras palavras, o valor dos Activos era 16,2 vezes superior ao valor do “Capital Próprio” dos “Activos”. Este rácio revela o elevado grau de “alavancagem” existente no sistema bancário em Portugal que permite aos banqueiros obter elevados lucros com pouco capital próprio (o que lhes pertence).
A banca a operar em Portugal está descapitalizada devido a uma elevada distribuição de lucros (o mesmo sucede com a EDP e PT, por ex.). Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de o fazer. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca, depois do pagamento dos reduzidos impostos a que está sujeita, somaram 8.972 milhões €. Entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2010, os Capitais Próprios da banca aumentaram apenas 4.571 milhões €. Apesar de redução de “Capitais Próprios” em 2008, uma parte dos 4.401 milhões € de lucros líquidos restantes foram distribuídos. E isto é reforçado quando o aumento de “capital” foi também conseguido através de novos accionistas. O Fundo de Garantia de Depósitos, cujo provisionamento é da responsabilidade da banca, está também subfinanciado (pensa-se em 15.000 milhões €). Este fundo é referido no ponto 2.15 do “Memorando”

Fala-se muito da divida do Estado, mas segundo o Banco de Portugal, a banca devia, em Dez-2010, 49.157 milhões € ao BCE e 81.125 milhões € a outros bancos, ou seja, 130.282 milhões €.
A banca em Portugal está profundamente fragilizada. A prova disso é que ela é incapaz de se financiar nos “mercados internacionais” sem a ajuda (o aval do Estado). A banca é também incapaz de financiar a economia, agravando a crise e o desemprego. Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito em Portugal diminuiu em 1.965 milhões €, apesar dos depósitos na banca terem aumentado em 12.080 milhões €. A continuar, milhares de empresas entrarão em falência fazendo disparar ainda mais o desemprego. A agravar tudo isto está a exigência de “desalavancagem do sector bancário” constante dos pontos 2.2 e 2.3 do “Memorando”. O “rácio” de transformação na banca (quociente entre o credito liquido a clientes e os depósitos) é considerado pelas agências de “rating”, pelo FMI e pelo BCE como sendo muito elevado, e estão a pressionar o governo e o Banco de Portugal para que desça. Entre Dez.2009 e Dez.2010, o “rácio” de transformação diminuiu de 146% para 138%, ou seja, a banca reduziu o crédito de 1,46€ para 1,38 € por cada um euro de depósitos. A redução para 120%, como exigem as agências de “rating”, reduzirá ainda mais a capacidade da banca para financiar a economia, agravando a crise.
Esta situação é agravada pela profunda distorção da politica de crédito dos banqueiros na busca de lucros fáceis e elevados, responsável também pela actual crise. Entre 2000 e 2010, o crédito a habitação aumentou em 156%; o crédito ao consumo subiu em 137%; mas o crédito à actividade produtiva (agricultura, pescas e industria transformadora) cresceu apenas em 41%. Em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representava apenas 5,5% do credito total, enquanto à habitação atingia 34,6%, à Construção e Imobiliário 12,6% e ao Consumo 4,9%. E tenha-se presente que a banca financiou o crédito à habitação, que é um crédito a longo prazo (30-40 anos), com empréstimos a curto e médio prazo, pois não possui meios financeiros próprios. E como não consegue novos financiamentos para os substituir, as dificuldades da banca crescem, e corta ainda mais no crédito. No “Memorando de entendimento” estão 2 medidas: (1) O Estado conceder avales à banca até 35.000 milhões para esta se poder financiar; (2) O Estado endividar-se até 12.000 milhões € para reforçar o capital da banca. Mas isto é só admissível se o Estado controlar os bancos que forem apoiados, até porque a situação difícil que vive a banca “portuguesa” é consequência também da má gestão dos banqueiros, e deixá-los à “solta”,é permitir que continuem uma politica que tem sido nefasta para o País e para os portugueses.Os banqueiros em Portugal têm procurado fazer passar a mensagem junto da opinião pública que não têm qualquer responsabilidade pela grave crise económica que o País enfrenta, já que ela resultaria da crise internacional e das más politicas governamentais seguidas no passado de que eles não tiraram qualquer proveito. Tem-se assistido, desta forma, a uma autêntica operação de branqueamento e de desresponsabilização dos banqueiros, procurando fazer crer a opinião pública que eles são diferentes e muito melhores do que os banqueiros dos outros países. E como têm apoios e defensores poderosos nos principais media essa mensagem tem sido repetida até a exaustão procurando que, de tanto repetida, acabe por ser aceite como verdadeira pela opinião pública. Por isso, interessa analisar de uma forma objectiva o que tem sido a politica da banca em Portugal nos últimos anos, como ela contribuiu para a crise actual, e como está a estrangular financeiramente as empresas, o que determinará o aumento significativo do desemprego. Nessa análise utilizar-se-á dados oficiais indicando ao leitor as fontes.

O GRAU DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA EM PORTUGAL É MUITO SUPERIOR À MÉDIA DA U.E.

O gráfico I, consta do Relatório de Estabilidade Financeira divulgado em Maio de 2011 pelo Banco de Portugal.
Em 1997, o valor dos “Activos” dos cinco maiores bancos a operar em Portugal já representavam cerca de 46% dos “activos” de toda a banca no nosso País, enquanto nos países da U.E. os cinco maiores bancos detinham, em média, 37% do valor dos “Activos” da banca de cada um dos países. Em 2009, essa percentagem dos cinco maiores bancos a operar em Portugal já tinha aumentado para cerca de 70%, enquanto nos países da União Europeia, os cinco maiores bancos de cada um dos países da U.E. controlavam em média, no mesmo ano, apenas 42% do valor total dos “activos” bancários desses países. Em 2009, o grau de concentração bancária em Portugal era 66% superior à média dos países da União Europeia. Esta elevadíssima concentração bancária no nosso País, muito superior à verificada nos restantes países da U.E., dá, aos cinco maiores bancos a operar em Portugal (CGD, o MIllennium BCP, o BES, o Santander-Totta e o BPI), um imenso poder que lhes permite condicionar o poder politico e todo o processo de desenvolvimento no nosso País. Apesar do “Memorando do FMI-BCE-CE constar já “a definição de um calendário mais ambicioso para a venda do negócio segurador do grupo Caixa (Fidelidade-Mundial e Império-Bonança), e de um programa para a alienação gradual de todas as subsidiárias non core e, se necessário, de uma redução das actividades no estrangeiro” (ponto 2.5), Passos Coelho, em declarações a jornais estrangeiro, já veio dizer que pretende “ir mais longe”, ou seja, privatizar ainda mais o que, a concretizar-se, só poderá determinar o aumento do domínio da economia e da sociedade portuguesa e, consequentemente, todo o processo de crescimento e de desenvolvimento em Portugal pelos grupos financeiros como, o que já existe, ainda não fosse suficiente. Isso só poderá agravar ainda mais as dificuldades actuais.

OS CAPITAIS DOS BANQUEIROS APENAS REPRESENTAM 6% DO VALOR DOS ACTIVOS DA BANCA, TUDO O RESTO É CAPITAL ALHEIO QUE NÃO PERTENCE AOS ACCIONISTAS DA BANCA

A maior parte do capital que está na banca não pertence aos proprietários (accionistas) dos bancos. Apenas uma pequena percentagem é que lhes pertence, os chamados “Capitais Próprios”.


No período 2007-2009, os “Capitais Próprios” da banca a operar em Portugal representavam uma pequena percentagem dos seus “Activos” – em média 6,1%-o que significa que ela vive fundamentalmente de capitais alheios, que não pertence aos banqueiros. Dito de outra forma, em média por cada 100 euros de “Activos” (e “Activos” corresponde aquilo que banca possui mais aquilo que tem a receber), apenas 6,1 euros pertencem aos “banqueiros”. Esta elevada “alavancagem” (Activos em média 16,5 vezes superiores aos Capitais Próprios) têm permitido aos banqueiros gerirem um gigantesco volume de capitais alheios em seu proveito, ou seja, com objectivo de obter elevados lucros. Em Dezembro de 2010, segundo o Banco de Portugal, o capital alheio gerido pela banca em Portugal atingia o gigantesco montante de 498.907 milhões € (2,8 vezes o PIB português), enquanto os “Capitais Próprios”, ou seja, o que pertencia aos accionistas da banca era apenas de 32.844 milhões € (6,2%).

A BANCA EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE DESCAPITALIZADA DEVIDO À MAIOR PARTE DOS LUCROS NÃO SEREM INVESTIDOS MAS DISTRIBUIDOS PELOS ACCIONISTAS

O quadro seguinte, construído com dados dos Relatórios de Sustentabilidade Financeira do Banco de Portugal, mostra que os banqueiros têm descapitalizado a banca a operar em Portugal.


Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de descapitalizar a banca. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca depois do pagamento de impostos atingiram 8.972 milhões €. Mas os “Capitais Próprios” da banca, durante este período, aumentaram somente em 4.571 milhões €, sendo a diferença de 4.401 milhões €. Portanto, apesar da redução verificada nos “Capitais Próprios” em 2008, uma parte daquela diferença de 4.401 milhões € de lucros líquidos foram distribuídos aos accionistas. E tal conclusão é ainda reforçada pelo facto de nos poucos aumentos de capital que se registaram participarem novos accionistas.

A BANCA A OPERAR EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE ENDIVIDADA E SEM CAPACIDADE PARA FINANCIAR A ECONOMIA

O crédito em Portugal tem diminuído o que tem contribuído para o estrangulamento financeiro das empresas, estando já a pôr em causa a própria sobrevivência de muita delas.


Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito diminuiu em Portugal em 1.965 milhões €, apesar dos depósitos e outros empréstimos dos clientes à banca terem aumentado em 12.080 milhões €. Isto resultou do facto da estar a ser pressionada quer pelas empresas de”rating” quer pelo FMI e BCE para diminuir o seu “rácio” de transformação (quociente do valor do crédito a dividir pelos recursos de clientes). Efectivamente, entre Dez.2009 e Dez.2010, a banca reduziu esse “rácio” de 146% para 138%, ou seja, reduziu o crédito de 1,46 € para 1,38 € por cada euro de depósitos. E futuramente terá de reduzir ainda mais, pois a pressão externa (agências de “rating”, FMI e BCE) é que desça para 120% a fim de fazer desalavancagem do sector bancário”. Estando a banca descapitalizada, e os banqueiros não querendo ou não tendo meios para capitalizar a banca, a “solução” será reduzir ainda mais o crédito, nomeadamente à economia, o que, o que só poderá levar à falência muitas mais empresas, e ao aumento ainda mais rápido do desemprego. O aumento do rácio de capital – Tier 1 – para 9% em 2011 e para 10% em 2012, imposto pela “troika” à banca, está a determinar um maior domínio da banca pelo capital estrangeiro, pois é este que está a participar mais nos aumentos de capital. E como tudo isto já não fosse suficiente o FMI-BCE-BdP irão fazer uma análise do crédito concedido pelos bancos mais importantes o que poderá levar à detecção de “esqueletos”, aumentando as dificuldades da banca e, consequentemente, do financiamento à economia.

A POLITICA DE CRÉDITO DA BANCA CONTRIBUIU TAMBÉM PARA A GRAVE CRISE ACTUAL

Movidos pela avidez de lucros fáceis e rápidos, os banqueiros portugueses levaram a cabo nos últimos anos uma politica de crédito distorcida e profundamente danosa para o País.



Entre Dez.2000 e Dez.2010, o crédito à actividade produtiva (agricultura e indústria transformadora) aumentou apenas 41,2%, enquanto à “Construção e actividade imobiliária” cresceu 127,5%; à “Habitação” em 156,8%; e ao “Consumo” subiu 137,4%. Esta politica de crédito imposta pela banca e danosa para o desenvolvimento do País determinou que, em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representasse apenas 5,5% do credito total (em 2000, correspondia a 7,7%), enquanto o crédito à “Construção e actividade imobiliária” representasse 12,6%, à “habitação” 34,6% e ao “Consumo” 4,9% do credito total. E os banqueiros e os seus defensores ainda têm descaramento de dizer que não têm culpas na grave crise que enfrenta o País e que são diferentes, para melhor naturalmente, do que os banqueiros de outros países? A avidez de lucros elevados e fáceis, e a má gestão também caracteriza a gestão da banca em Portugal, o que contribuiu para a gravidade da crise actual e para os problemas que a banca enfrenta actualmente.

É NECESSÁRIO QUE O ESTADO CONTROLE A BANCA QUE APOIE PONDO-A AO SERVIÇO DO PAÍS

Os bancos que operam em Portugal estão profundamente endividados, descapitalizados, fragilizados e incapazes de obter financiamentos externos para financiar a economia. No “Memorando de entendimento”, estão previstos 35.000 milhões de euros para avales do Estado à banca para esta poder obter financiamentos; e 12.000 milhões de euros para aumentos de capital da banca à custa do endividamento do Estado. Embora as dificuldades da banca sejam neste momento enormes, pondo em causa o próprio financiamento da economia e das famílias, o apoio do Estado mesmo nestas condições só seria admissível se passasse a controlar, por ex. através da participação maioritária no capital dos bancos que apoiasse, e a pôr esses bancos ao serviço do desenvolvimento do País pois, se isso não acontecer, é de prever que a politica dos banqueiros que contribuiu também para o estado a que o País se encontra continue. Como a experiência já provou, eles estão mais interessados em obter lucros rápidos e fáceis, mesmo que isso seja à custa do desenvolvimento e da criação de condições geradoras de graves crises económicas e sociais com consequências dramáticas (estagnação, recessão, desemprego, desigualdades e da pobreza).


Eugénio Rosa, Economista, 22.6.2011

domingo, 19 de junho de 2011

Comunicado do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa

Os cristãos e todos os portugueses sabem que nós, Bispos e sacerdotes, evitamos tomar posição sobre as questões da política directa, preservando o nosso ministério espiritual, da polémica que naturalmente acompanha o debate partidário. Foi por isso que não respondemos às diversas solicitações que nos foram feitas para que falássemos no período que antecedeu as últimas eleições legislativas.

E se o fazemos hoje, depois do Povo Português ter indicado, pelo seu voto, o rumo que deseja para Portugal, não é para comentarmos politicamente os resultados, mas porque achamos que a Palavra da Igreja pode ajudar a discernir o caminho da salvaguarda do “bem-comum” de toda a sociedade, no momento difícil que Portugal atravessa.

Verificámos que alguns líderes políticos, no calor da disputa eleitoral, referiram a Doutrina Social da Igreja para secundar as suas propostas políticas. Tinham o direito de o fazer, pois a vastíssima doutrina da Igreja sobre a sociedade pode, realmente, inspirar programas de governação. É nessa perspectiva que ousamos, neste momento particularmente delicado do nosso País, sublinhar os seguintes aspectos:

1. A prioridade do “bem-comum” de toda a sociedade sobre interesses individuais e grupais é um dos pilares da doutrina da Igreja sobre a sociedade e que pode, neste momento, inspirar as opções governativas. Vamos pôr o bem da sociedade em primeiro lugar. Isso exige generosidade de todos na colaboração e aceitação dos caminhos necessários, na partilha de energias e bens, na moderação das opções ideológicas e estratégicas. Partidos, sobretudo os seus representantes que o Povo elegeu, as associações laborais, empresariais e outras, são chamados à generosidade de defenderem os seus direitos e interesses, dando prioridade total ao bem de toda a sociedade.

2. Além de generosidade, este momento exige, de todos os portugueses, grande realismo. A situação diminui a margem, legítima em democracia, para utopias. É este sentido de realismo que nos indica que devemos procurar soluções para Portugal no quadro social, político-económico em que está inserido: União Europeia, zona da moeda única, conjunto de países que se estruturam na base do respeito pela pessoa humana e pela sua liberdade, concretamente da liberdade de iniciativa económica.

Isto não pode resignar-se ao inevitável. Portugal tem de dar o seu contributo à evolução positiva, concretamente da União Europeia e da zona Euro, e só o fará se resolver positivamente, reconquistando a credibilidade, o momento que passa. Deve fazê-lo procurando que o esforço de equilíbrio financeiro não prejudique a economia, e que não se relativize a importância da saúde, da cultura e da educação.

3. A Doutrina Social da Igreja baseia a prioridade do “bem-comum” na vocação comunitária da sociedade. Esta não é um agregado de “indivíduos”, mas tende a ser comunidade, onde cada um se sente corresponsável pelo bem de todos, onde cada homem e mulher é nosso irmão.

Esta dimensão comunitária é prioritária na visão da Igreja. O amor fraterno, com a capacidade de dom, é o valor primordial na construção da sociedade. Sempre, mas de modo especial neste momento que atravessamos, os pobres, os desempregados, os doentes, as pessoas de idade, devem estar na primeira linha do amor dos cristãos. Este é um dever prioritário da Igreja, que ela quer realizar pelos seus meios próprios, mas em colaboração com todos os que procuram o “bem-comum”. Esta atitude exige generosidade e capacidade de dom, de que o voluntariado é uma expressão nobre. Os próximos tempos vão exigir partilha de bens. Mas não é a mesma coisa partilhar generosamente, e ser obrigado a distribuir. Temos de criar um dinamismo coletivo de generosidade e de partilha voluntária, fundamentada no amor à pessoa humana.

4. Há ainda na nossa sociedade muitas expressões de egoísmo, que vão desde a corrupção ao enriquecimento ilícito, a uma visão egocêntrica do lucro, etc. Uma ética da generosidade, da honestidade e da verdade tem de fazer parte da cultura a valorizar. O próprio sistema de justiça tem de ser um serviço que combata os atropelos à generosidade, à honestidade e à verdade. Sem um bom sistema de justiça, nenhuma sociedade será verdadeiramente justa.

Este momento de crise pode levar-nos a todos a lançar os dinamismos para a construção de uma sociedade mais fraterna e solidária. A Igreja quer, não apenas pela sua palavra, mas pelo seu compromisso na acção, ser a afirmação da esperança.

Fátima, 14 de Junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

Portugal: um balanço de 20 anos na União Europeia

Eugénio Rosa

Portugal aderiu à União Europeia (UE) em 1986, portanto, em 2006, completam-se 20 anos. É altura de se fazer um balanço objectivo, naturalmente diferente do balanço oficial, que neste artigo se vai limitar, até por uma questão de espaço disponível, a alguns aspectos importantes da realidade económica e social, ou seja, tentar saber o que essa adesão trouxe de bom e mau para o nosso país neste campo. E mais ainda quando na altura da adesão se fizeram promessas ao povo português de que ela traria desenvolvimento, crescimento económico, mais emprego, maior nível de vida, mais riqueza e mais justiça. Estas foram as promessas que os sucessivos governos quer do PS (o primeiro foi o de Mário Soares) quer do PSD (o primeiro foi de Cavaco Silva), que se alternam de uma forma pendular no poder, utilizaram abundantemente para justificar essa adesão.
Nestes 20 anos, Portugal recebeu fundos da UE que rondaram os 50 000 milhões de euros (o correspondente a 10.024,1 milhões de contos a preços correntes). Mas as questões que imediatamente se colocam são as seguintes: que vantagens obteve com tal adesão? E qual o preço que pagou e está a pagar por aqueles milhões de euros que ofuscaram e continuam a ser utilizados para ofuscar a consciência de muitos portugueses?Mesmo a nível de transportes, onde os investimentos elevados foram realizados com o apoio de fundos comunitários, mesmo aqui, repetimos, ao se optar preferencialmente pelo transporte rodoviário (construção de auto-estradas, pontes e viadutos), e ao se investir de uma forma insuficiente ou mesmo a desinvestir no transporte ferroviário criaram-se graves distorções a nível de todo o sistema de transportes com consequências muito pesadas quer no aumento da dependência energética do País quer em termos de ineficiência energética. Esta distorção, já se está a pagar pesadamente, como no caso do aumento significativo da factura energética, o que está a contribuir para o grave desequilíbrio das contas externas do País, muito mais grave que o défice orçamental.
A destruição do aparelho produtivo nacionalMas onde as consequências foram mais dramáticas para Portugal foi a nível da destruição do seu aparelho produtivo, como provam os dados oficiais constantes do quadro I.

Assim, a partir de 1985, verificou-se uma destruição gradual mas permanente da agricultura, das pescas e da indústria transformadora que são fundamentalmente os sectores produtivos de bens transaccionáveis, ou seja, aqueles que eventualmente podem ser exportados. Assim, entre 1985 e 2003, o peso que estes sectores representam no valor da riqueza nacional criada anualmente, baixou de 34,8% para apenas 22,4%, ou seja, sofreu uma quebra de 35,6%.A mesma redução verificou-se no emprego em sectores produtivos de bens transaccionáveis. Entre 1985 e 2003, o emprego na agricultura, silvicultura, pescas e indústria transformadora passou de 40,5% para apenas 29,1% do emprego total do país. Isto significou uma redução do emprego que estes sectores representam em relação ao emprego nacional em mais de 28%.Esta destruição tão significativa dos sectores que, por excelência, são produtivos, associada à destruição do Sector Público Empresarial, através de um processo de privatizações selvagem, levado a cabo pelos governos do PSD de Cavaco Silva e do PS de Guterres, colocou as empresas mais importantes sob o controlo de grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros, mais interessados em acumular lucros gigantescos que no desenvolvimento do país. Para além disso, e como confirma o relatório de 2003 do PRIME, que é um programa cofinanciado pela UE, que tem como objectivo a modernização da economia portuguesa, cerca de 80% do investimento apoiado por este programa que é realizado pelas empresas portuguesas destinam-se a tirar partido da mão-de-obra barata ou de recursos nacionais, o que significou que os fundos comunitários têm sido, na sua maioria, utilizados para perpetuar um modelo de crescimento económico que está esgotado, e que só poderia conduzir o país à grave crise que enfrenta actualmente.Tudo isto teve como consequência a perda de competitividade da economia portuguesa e, consequentemente, o aumento vertiginoso do défice da nossa Balança Comercial. A destruição do sector empresarial do EstadoCom a adesão à UE, mas nomeadamente com a sua integração na União Monetária e consequente substituição da nossa moeda nacional pelo euro, Portugal perdeu importantes instrumentos de política macroeconómica que passaram para a competência do Banco Central Europeu ou da Comissão Europeia. Assim, Portugal deixou de ter competência para fixar taxas cambiais e as taxas de juro que passaram para a competência do Banco Central Europeu. Portugal também deixou de poder fixar livremente o défice orçamental adequado ao desenvolvimento do nosso país, que passou para a UE. O mesmo sucede em relação aos investimentos, nomeadamente os maiores e estruturantes, que passaram a ser condicionados pelo cofinanciamento comunitário. Desta forma Portugal ficou indefeso perante situações de grave crise económica e social como é aquela que enfrenta actualmente.Um dos instrumentos que poderia no entanto ser utilizado para contrabalançar esta perda de importantes instrumentos de política macroeconómica, seria a existência de um forte Sector Empresarial do Estado, que poderia e deveria ser utilizado para levar a cabo uma política planeada de desenvolvimento do país. Efectivamente, se o Estado possuísse as maiores e principais empresas estratégicas (do sector bancário, segurador, telecomunicações, energia, etc.) poderia utilizá-las como instrumentos de uma política económica ao serviço do país.Mas o que sucedeu foi precisamente o contrário. Primeiro, os governos do PSD de Cavaco Silva e depois os governos do PS de Guterres, baseados no falso argumento de que era necessário melhorar a concorrência e desenvolver centros de decisão nacionais, procederam à privatização selvagem e maciça das principais empresas públicas, entregando a sua propriedade a grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Orientados por uma fúria privatizadora, onde os interesses nacionais estiveram totalmente ausentes, os governos do PSD iniciaram a privatização das principais empresas públicas, tendo entregue ao controlo total ou parcial de grandes grupos económicos 36 empresas pertencentes aos sectores da comunicação social, bancário, segurador, cervejeiro, de transportes, pasta de papel, energia, adubeiro e cimenteiro, que antes pertenciam ao Estado.Mas foi fundamentalmente com o governo de Guterres, e com a dupla Guterres-Pina Moura que se procedeu a uma onda maciça de privatizações de empresas públicas, muitas delas com contornos duvidosos.Assim, de 1996 a 2001, foram privatizadas, parcial ou totalmente, as maiores empresas públicas (Companhia Nacional de Petroquímica, Portugal Telecom, Cimpor, Banco Totta & Açores, Tabaqueira, Banco Comercial dos Açores, BFE, EDP, BRISA, Quimigal, Setenave, Galp), o que determinou que as principais empresas portuguesas, que antes eram públicas, passassem para o controlo dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Guilherme de Oliveira Martins, o ministro das Finanças do último governo de Guterres, gabou-se dessa obra no prefácio que escreveu ao estudo da Secretaria do Estado do Tesouro e Finanças que tem o título «Sector Empresarial do Estado: evolução no período 1996-2001», com as seguintes palavras: «no período compreendido entre 1996 e 2001, ou seja com governos PS, obteve-se “um encaixe de 15.919,8 milhões de euros” “com as privatizações quando “no período 1989-1995”, ou seja, com governos PSD, «o encaixe tinha sido de 6.827,3 milhões de euros, correspondentes na sua generalidade às operações de privatizações do sector bancário e segurador». E acrescentava com uma certa euforia: «o encaixe total obtido no período 1996-2001 (com governos PS) é revelador não só da decisão política de intensificação das operações de privatização como uma das principais transformações estruturais da economia portuguesa».Esta destruição do sector empresarial do Estado pelos governos do PSD e do PS teve consequências desastrosas para o país. A grave crise económica e social que Portugal enfrenta neste momento é também uma consequência desta política antinacional levada a cabo por estes governos. Efectivamente, Portugal ao ter de transferir os principais instrumentos de política macroeconómica para a UE, e não possuindo já um importante Sector Empresarial do Estado para poder pôr em prática uma política de crescimento económico e desenvolvimento que o país necessita, enfrenta crescentes dificuldades para ultrapassar crises como aquela que está a viver.E a situação ganha foros de escândalo quando os grupos económicos que dessa forma obtiveram a propriedade e controlo dessas empresas, mesmo em plena crise do país e das dificuldades da generalidade dos portugueses, conseguem obter, pelo facto de controlar essas empresas que antes eram públicas, lucros nunca vistos. Assim, de lucros, em 2005, a EDP obteve cerca de 1000 milhões de euros, a PT cerca de 600 milhões de euros, a banca obteve lucros que em alguns casos foram superiores em cerca de 90% aos alcançados em 2004, que já tinham sido bastantes elevados; o mesmo aconteceu com o sector segurador, etc., etc.. O capital predador, de que são exemplos a OPA da Sonae sobre a PT e do BCP sobre o BPI que não acrescentam nada ao tecido produtivo nacional, mercê da política de privatizações dos governos do PSD e do PS, comanda neste momento os destinos do país.Baixo nível de escolaridade e de qualificaçãoA riqueza de um país mede-se também pelo nível de escolaridade e de qualificação dos seus habitantes. As pessoas são a riqueza mais importante de um país, sem o que não é possível qualquer processo rápido de crescimento económico e de desenvolvimento.E durante estes 20 anos de adesão à UE os resultados neste campo fundamental para o país e para os portugueses foi um desastre, como provam os dados oficiais constantes do quadro II.


De acordo com dados da OCDE, entre 1991 e 2002 a população portuguesa com o ensino básico ou menos diminuiu somente 6 pontos percentuais, pois passou de 86% para 80%, enquanto a redução média nos países da OCDE atingiu 12 pontos percentuais pois passou de 45% para 33%, ou seja, o dobro do verificado em Portugal. E esta situação é ainda mais grave se se tiver presente que, em 1991, Portugal encontrava-se já numa posição muito mais desfavorável que a média dos países da OCDE (em 1991, 86% da população portuguesa tinha o ensino básico ou menos, enquanto a média na OCDE era de 45%), e que, em 2002, a média da OCDE tinha baixado para 33%, enquanto em Portugal a população com o ensino básico ou menos era ainda 80% do população total com idade entre os 25 e 64 anos. Em 2005, de acordo com os dados do INE, cerca de 72% da população empregada portuguesa possuía apenas o ensino básico ou menos; 18% o ensino secundário; e 12% o superior. É evidente que não é com este baixíssimo nível de escolaridade que Portugal poderá implementar um modelo de crescimento económico baseado em trabalho qualificado e bem pago. E não é o Plano Tecnológico, que tem constituído uma das bandeiras de propaganda do governo de Sócrates, que conseguirá garantir emprego à esmagadora maioria da população empregada que se sente ameaçada pelo desemprego.A desigualdade na repartição da riqueza continua a ser a mais grave da UEA adesão de Portugal à UE, mas nomeadamente à União Monetária, e como consequência do neoliberalismo que lhe está associado determinou o agravamento das desigualdades no nosso país, como mostram os dados do Eurostat constantes do quadro III.


Em primeiro lugar, Portugal é o país da UE onde a repartição do rendimento tem sido persistentemente mais desigual. Assim, em 2004, último ano em que o Eurostat divulgou dados sobre esta matéria, em Portugal os 20% mais ricos recebiam 7,2 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres da população, enquanto a média nos países da UE era, na mesma altura, de 4,8 vezes, portanto um valor inferior em 33% ao do nosso país.Depois, em relação a Portugal o valor de 2004 (7,2 vezes) é praticamente o valor de 1985 (7,4 vezes), o que mostra que desde que o país aderiu à UE não se verificou qualquer alteração significativa neste campo. Finalmente, se compararmos a situação portuguesa com a da Finlândia, um país altamente competitivo e com taxas de crescimento económico muito superiores à portuguesa, constata-se que sempre se verificou na Finlândia uma melhor repartição da riqueza (em 2004, os 20% mais ricos possuíam 3,5 vezes mais rendimento que os 20% mais pobres da população, que é menos de metade do valor registado em Portugal, que é 7,2 vezes), o que parece indiciar que a má distribuição do rendimento está associada também a baixas taxas de crescimento, verificando-se também o inverso: elevadas sustentadas taxas de crescimento estão associadas a melhores níveis de repartição da riqueza criada num país. Razão tem o PCP quando afirma que não é possível em Portugal um crescimento sustentado e elevado sem que simultaneamente se proceda a uma melhor repartição da riqueza e do rendimento. E isto é não só um imperativo social, face à generalização da pobreza coexistindo com uma minoria que acumula cada vez mais riqueza, mas também é uma necessidade económica.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Discurso do Presidente dos EUA, Barack Obama, na entrega do Prémio Pritzker 2011 de Arquitectura ao arquitecto Eduardo Souto de Moura

Bem, obrigado, Tom, por essa introdução. Obrigado a toda a família Pritzker pela vossa amizade e imensa generosidade em tantas causas. Quero também saudar o corpo diplomático aqui presente, assim como o Secretário Arne Duncan.

Em meu nome e de Michelle, quero começar por felicitar o vencedor desta noite, Eduardo Souto de Moura. E quero também agradecer aos membros do júri, que têm a difícil tarefa de escolher entre tantos arquitectos notáveis de todo o mundo.

Como o Tom disse, o meu interesse pela arquitectura vem de trás. Houve uma altura em que pensei que podia ser arquitecto, quando esperava vir a ser muito mais criativo do que sou. Em vez disso tive de entrar para a política. (risos)

E como os Pritzkers e muitos outros aqui podem confirmar, se gostamos de arquitectura há poucos lugares melhores para viver do que a minha cidade, Chicago. (Aplauso) É a terra dos arranha-céus – uma cidade cheia de edifícios e espaços públicos desenhados por arquitectos como Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright e Frank Gehry, que está aqui esta noite.

Na verdade, a sede da nossa última campanha foi num edifício desenhado por Mies van der Rohe. Durante dois anos esteve cheia de pessoas que trabalhavam sob pressão e que sobreviviam apenas com pizza. (Risos) Não tenho a certeza se era isso que Mies tinha em mente, mas para nós resultou muito bem.

E isto é arquitectura. É sobre criar edifícios e espaços que nos inspiram, que nos ajudam a fazer o nosso trabalho, que nos unem e que, no seu melhor, se transformam em obras de arte que podemos atravessar e onde podemos viver. É por isso que a arquitectura pode ser considerada a mais democrática das formas de arte.

Talvez isso explique por que razão Thomas Jefferson, que ajudou a consagrar os princípios da nossa nação, tinha uma enorme paixão pela arquitectura e pelo design. Ele passou mais de 50 anos a aperfeiçoar a sua casa em Monticello. E passou horas infindáveis a traçar e a rever os seus desenhos para a Universidade de Virgínia - um lugar onde ele esperava que as gerações seguintes viessem a estudar e a transformar-se, como ele descreveu, “no futuro baluarte da mente humana neste hemisfério”.

Como Jefferson, o homenageado desta noite passou a sua carreira não apenas a redefinir as fronteiras da sua arte, mas a fazê-lo de forma a servir as pessoas. Eduardo Souto de Moura desenhou casas, centros comerciais, galerias de arte, escolas e estações de metro – tudo num estilo que parece fácil e belo. Ele é um especialista no uso de diferentes materiais e cores, e as suas formas simples e linhas direitas enquadram-se facilmente no ambiente a que se destinam.

Talvez o trabalho mais célebre de Eduardo seja o estádio que desenhou em Braga, Portugal. Não se contentando nunca com a resposta mais fácil, Eduardo quis construí-lo na encosta de uma montanha. Para isso rebentou com quase um milhão e meio de metros cúbicos de granito e depois triturou-o para fazer o betão necessário para construir o estádio.

Teve também a preocupação de posicionar o estádio de forma a que quem não pudesse comprar bilhete assistisse ao jogo dos montes em volta. É quase uma versão portuguesa do Wrigley Field. (Risos)
E essa combinação de forma e função, de arte e acessibilidade, é a razão por que hoje honrarmos Eduardo com aquele que é conhecido como o “Prémio Nobel da Arquitectura”. “A Arquitectura deve falar do seu tempo e do seu lugar, mas ansiar a eternidade”, disse Frank Gehry, que já ganhou este prémio.

Eu quero agradecer a todos os homens e mulheres que criaram estas obras de arte eternas – não só por nos trazerem alegria, mas por fazerem do mundo um lugar melhor.


E Tom, mais uma vez obrigado pelo apoio extraordinário à arquitectura. Faz uma diferença enorme. Muito obrigado.

Discurso do arquitecto Eduardo Souto de Moura ao receber o Prémio Pritzker 2011

Exmo. Sr. Presidente dos EUA, Presidente do Júri, elementos do Júri, meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores,

Só quando recebi o convite dizendo “Eduardo Souto de Moura of Portugal” é que acreditei que tinha ganho o Pritzker 2011. Não posso esconder que fiquei feliz, por mim, pela minha família, colaboradores, amigos e clientes. Em nome de todos, os meus sinceros agradecimentos.

Aprendi a desenhar na Escola Italiana do Porto, cidade onde nasci, e no liceu decidi ser arquitecto. Não é que tivesse alguma paixão especial pela disciplina, mas na crise agnóstica dos 15 anos, duvidei se Deus devia ter descansado ao 7º dia. É que, pensando bem, ficou por fazer uma geografia como a de Delfos, a Acrópole para receber o Parténon ou secar um pântano no Illinois, onde a Farnsworth pudesse ficar.

Em 1975 depois da Revolução dos Cravos, comecei a trabalhar com o Arqº Siza Vieira. Não só pela arquitectura, mas sobretudo pela pessoa em si, foi uma experiência excepcional que ainda hoje continuo a fazer com o mesmo prazer. Saí do seu escritório nos anos 80, para ser arquitecto. Foi difícil começar, mas usar a sua “linguagem” parecia-me uma traição e mesmo que o quisesse, não o conseguia fazer, por pudor.

Depois da Revolução, e restabelecida a Democracia, abriu-se a oportunidade de redesenhar um país, onde faltavam escolas, hospitais, outros equipamentos, e sobretudo meio milhão de casas. Não era certamente o Pós-Modernismo, na altura em voga, que nos poderia resolver a questão. Construir meio milhão de casas, com frontões e colunas seria uma perda de energia, pois a ditadura já o tinha ensaiado. O Pós-Modernismo chegou a Portugal, sem quase termos passado pelo Movimento Moderno. É essa a ironia do nosso destino: “antes de o ser já o éramos”.

Do que precisávamos era de uma linguagem clara, simples e pragmática para reconstruir um país, uma cultura, e ninguém melhor que o proibido Movimento Moderno poderia responder a esse desafio. Não era só um problema ideológico, mas sobretudo de coerência entre material, sistema construtivo e linguagem. Se “arquitectura é a vontade de uma época traduzida num espaço”, Mies van der Rohe abriu-nos as portas na redefinição da disciplina tão massacrada até aí, pela linguística, semiótica, sociologia e outras ciências afins. O importante é que a arquitectura fosse “construção”, assim com urgência, nos pedia o país.

Com 10 séculos de História, Portugal encontra-se hoje numa grande crise social e económica, como já aconteceu em vários períodos anteriores. Hoje, como ontem, a solução para a arquitectura portuguesa é emigrar. Como dizia Paul Claudel: “Le Portugal est un pays en voyage, de temps en temps il touche l’Europe”. Resta-nos a “mudança”, como quer dizer a palavra “crise” em grego. Resta-nos decifrar o significado dos dois caracteres chineses que compõem a palavra “crise”: o primeiro significa “perigo”, o segundo “oportunidade”. Em África e noutras economias emergentes não nos faltarão oportunidades, o futuro é já aí. “Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose é obra própria nossa.” (1)

Muito obrigado.

Eduardo Souto de Moura

(1) Herberto Helder, “O Corpo. O Luxo, A Obra”