sábado, 19 de novembro de 2011

Medidas fiscais para o Orçamento do Estado para 2012

Medidas fiscais para o Orçamento do Estado para 2012, apresentadas pelo Partido Comunista Português, através da declaração do seu deputado Honório Novo.

16 de Novembro de 2011

A (falsa) ideia de equidade fiscal do Orçamento que o Governo PSD/CDS repete até à exaustão, sustentada em alguns exemplos menores, é claramente desproporcionada e falaciosa. É o caso da criação de uma taxa extraordinária em IRS (receita adicional 16 milhões de euros), da harmonização da taxa em IRS sobre as mais-valias mobiliárias (receita adicional de 3 milhões de euros) ou da criação de derrama sobre a parte dos lucros empresariais acima de 10 milhões de euros (receita adicional de 187 milhões de euros). O Governo PSD/CDS esquece, nos dois primeiros casos, que só a cegueira e o sectarismo impediram que já há muito estivessem em vigor e, no último caso, que o Governo aumenta o período de dedução de prejuízos fiscais e confere às SGPS benefícios fiscais sem limitação temporal, cujos encargos globais para o Estado podem facilmente superar as receitas adicionais estimadas com essa medida.

Anunciam aos quatro ventos a tributação das transferências para off-shores, que o PCP tem proposto repetidamente, mas escondem que essa tributação envergonhada não atinge o off-shore da Madeira e que só se aplica à transferência de rendimentos de capitais e não à totalidade das transferências financeiras com esse destino. Mais: dizem tributar, em IRS e em IRC, lucros e dividendos obtidos em entidades não residentes sujeitas a regime fiscal mais favorável mas deixam de novo de fora, não só a Zona Franca da Madeira como também as entidades situadas no Luxemburgo, na Suíça, no Reino Unido ou na Holanda, onde se localizam boa parte das SGPS dos grupos económicos do PSI 20. E ainda mais: desta anunciada tributação (em IRS e IRC) de dividendos, continuam a ficar isentos os que detiverem até 25% (em certas condições até 10%) do capital social das entidades que distribuem os dividendos. Seguramente, e na maior parte dos casos, essas disposições proteccionistas conduzirão à total isenção.

Enquanto se procura esconder atrás da propaganda da falsa equidade fiscal, o Governo omite que os reformados e pensionistas, designadamente os que auferem pensões rondando os 500/600 euros, para além do corte parcial dos subsídios de férias e de Natal, vão pagar em 2012 mais 115 milhões de euros de IRS; que as propostas de eliminação das taxas reduzidas de IVA (restauração, produtos alimentares de primeira necessidade, energia eléctrica e gás) conduzem a uma receita adicional de IVA de mais 900 milhões de euros, um novo e brutal aumento do mais cego e injusto de todos os impostos que vai sobretudo penalizar os mais fracos e desprotegidos e caracteriza bem a iniquidade fiscal deste orçamento.


A. É neste contexto que o PCP apresenta um primeiro conjunto de propostas na área fiscal com o objectivo de minorar a ausência de equidade fiscal do Orçamento do Estado para 2012. Destacamos as seguintes propostas:

1) Criação de uma nova taxa, de 0,2%, aplicável às transacções financeiras efectuadas em mercados regulamentados e não regulamentados, a repartir equitativamente entre comprador e vendedor;

2) A tributação de mais-valias mobiliárias obtidas por SGPS e por entidades não residentes, revogando na totalidade os artigos 27.º e 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

3) A tributação em 21,5% das mais-valias mobiliárias obtidas por fundos de capital de risco e por fundos de investimentos imobiliários em recursos florestais;

4) A revogação total do artigo 33.º do EBF, relativamente à Zona Franca da Madeira, impedindo que, ao contrário do que propõe o Governo, seja parcialmente prorrogado este regime fiscal, que deve caducar em 31 de Dezembro de 2011;

5) A majoração em 100% do Imposto sobre Veículos (ISV) aplicável a automóveis de luxo, cujo preço seja superior a €100.000;

6) A majoração em 50% da taxa do Imposto Único Circulação (IUC), aplicável aos mesmos veículos de luxo, e das taxas de IUC que incidem sobre a detenção de aviões e de iates de recreio, que o Governo PSD/CDS apenas propõe aumentar 7,5%, fazendo destes aumentos uma descarada bandeira da equidade fiscal do seu Orçamento do Estado;

7) A tributação do património imobiliário de luxo, passando para 10% a taxa do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) aplicável a prédios de valor de aquisição acima de um milhão de euros e passando para 1% a taxa do Imposto Municipal sobre Imoveis (IMI) aplicável a prédios urbanos acima daquele valor, enquanto o Governo propõe, com o seu falso conceito de equidade fiscal, aumentar para um intervalo entre 0,3% e 0,5% (em vez de entre 0,2% a 0,4%) a taxa de IMI aplicável a todos os prédios, facto que vai penalizar ainda mais quem tem uma casa própria de valores correntes e que também é aplicado aos detentores de imobiliário de luxo;

8) A actualização em 3,1% - valor da inflação esperada para 2012 - dos escalões do IRS, permitindo que muitos sujeitos passivos, face ao congelamento dos salários e pensões ou ao corte generalizado dos rendimentos tributáveis decorrentes do confisco dos subsídios de Natal e de férias (aos reformados e aos trabalhadores do sector público), possam ter a possibilidade de descer de escalão e assim compensar parcialmente o aumento generalizado da carga fiscal motivado pelo diminuição drástica das deduções em sede de IRS;

9) Diminuição geral do período de dedução de prejuízos fiscais para três anos, seja em sede de IRS (artigo 55.º), seja em IRC (artigo 52.º);

 10) Tributação em 30%, em IRS e em IRC, dos rendimentos (lucros, dividendos) obtidos em off-shores, ou em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável, incluindo rendimentos obtidos na Zona Franca da Madeira ou em qualquer Estado membro da UE que disponha de um regime fiscal claramente mais favorável, e não isentando dessa tributação qualquer sujeito passivo beneficiário, independente da respectiva relação societária com a entidade distribuidora de rendimentos (alterações ao artigo 20.º, n.º 3, e ao artigo 71.º, novo n.º 13, ambos do CIRS, e ao artigo 66.º do CIRC);

11) Tributação em 30%, em IRS e em IRC, das transferências financeiras (e não apenas dos rendimentos de capitais transferidos) para off-shores ou para países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável, incluindo a Zona Franca da Madeira (alteração ao artigo 71.º, novo n.º 14, do CIRS, e ao artigo 87.º, alínea i) do n.º 4, do CIRC);

12) Manutenção, até à alteração da legislação relativa à economia social, do quadro legal vigente do Estatuto Fiscal Cooperativo;

13) Manutenção da taxa de IVA reduzida para a energia eléctrica e o gás.


B. Para minorar a brutal discriminação fiscal com que este Orçamento do Estado atinge as micro e pequenas empresas, fortemente penalizadas por aumentos das taxas do IVA e a eliminação de taxas reduzidas de IRC, a somar aos aumentos da energia eléctrica e do gás e a novos aumentos da carga fiscal sobre os combustíveis, e com o objectivo de suster a falta de liquidez que atinge de forma insustentável as micro e pequenas empresas, seja pela ausência de crédito ou pelo atraso no recebimento de valores facturados e dos correspondentes valores de IVA já entregues ao Estado;

o PCP apresenta as seguintes seis propostas centrais de alteração ao Orçamento do Estado para 2012, que visam a viabilidade económica de milhares de micro e pequenas empresas e contenção do desemprego em Portugal:

1) Manter a taxa de IVA aplicável ao sector da restauração em 13%, conservando as actuais verbas 3. e 3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA, relativa a bens e serviços sujeitos a taxa intermédia;

2) Criar uma taxa reduzida de IRC, com o valor de 12,5%, beneficiando exclusivamente as micro e pequenas empresas, aplicável a rendimentos colectáveis até 12.500 euros;

3) Repor parcialmente o artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativo aos benefícios fiscais destinados a apoiar o desenvolvimento regional (antigo regime de interioridade), criando uma taxa de IRC reduzida de 15%excluisivamente aplicável às micro, pequenas e médias empresas;

4) Introduzir o regime “IVA de caixa” (alterando o n.º 2 do artigo 27.º do Código do IVA), aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2012 em todas as relações económicas de fornecimento de bens e serviços com a administração pública (central, regional e local, incluindo os respectivos sectores empresariais), pondo a nu mais um acto de propaganda deste Governo que se limita a anunciar (no artigo 172.º da PPL n.º 27/XII) “que irá desenvolver as consultas e estudos preparatórios tendo em vista a introdução de um regime de exigibilidade de caixa do IVA”;

5) Eliminar progressivamente, durante os próximos cinco anos dos limites inferiores do Pagamento Especial por Conta cujos valores passariam sucessivamente, dos actuais € 1000 para €900 em 2012, €700 em 2013, €500 em 2014 e €300 em 2015, deixando de ser aplicável este regime que afecta as micro e pequenas empresas, a partir do ano de 2016;

6) Com o objectivo de recuperar os enormes atrasos na liquidação de facturas devidas pelas administrações públicas, central, regional e local, estabelecer um acordo de “confirming”entre o Estado e o sistema bancário em geral, mediante o qual se viabilizaria o pagamento daquelas facturas a fornecedores de bens e serviços, os quais poderiam receber da banca os valores em dívida, sendo esta ressarcida desses adiantamentos no prazo máximo de 60 dias.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Crescimento Anémico de Portugal até 2050

O MINISTRO DAS FINANÇAS ENGANA OS PORTUGUESES E RELATÓRIO DO OE-2012 CONFIRMA CRESCIMENTO ANÉMICO DE PORTUGAL ATÉ 2050

O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, quando é confrontado com a questão de que as medidas que está a tomar são contraccionistas, e levarão inevitavelmente o país à recessão económica papagueia, de uma forma monocórdica, aquilo que chama “Agenda de transformação estrutural” que, no fundo, se resume ao seguinte: liberalização dos preços; desregulamentação das leis do trabalho; maior facilitação em despedir e diminuição das indemnizações por despedimento; privatização das empresas públicas e sua venda a estrangeiros. Quem conheça minimamente a situação da economia portuguesa sabe bem que um programa desta natureza apenas agravará muito mais a sua situação, e tornará a nossa economia mais dependente do estrangeiro. No entanto, apesar dessa evidência, o ministro das Finanças promete o crescimento económico já a partir de 2012 e a prosperidade para os portugueses. No “Documento de Estratégia Orçamental para 2011-2015, por ex., na pág. 9, ele próprio escreve textualmente o seguinte: “Quero concluir fazendo um ponto que julgo de grande importância. A consolidação orçamental e a diminuição ordeira do endividamento são incontornáveis. São condições necessárias para retomar uma trajetória de prosperidade crescente em Portugal”..
No entanto, nem ele próprio acredita no que o diz e escreve. No Relatório do Orçamento do Estado para 2012, que acompanha a proposta de Lei do OE-2012, na pág. 240, num anexo denominado “Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social”, encontra-se um gráfico, que a seguir se apresenta, com a  previsão do crescimento da economia portuguesa (PIB) para o período 2011-2050, elaborada pelo governo anterior de Sócrates, que constava do OE-2011 (as barras a  cinzento), e uma outra previsão feita pelo governo de  Vítor Gaspar (as barras a azul). Esse gráfico, elaborado pelo governo desmente tudo aquilo que Vítor Gaspar anda a dizer continuamente. O próprio ministro desmente-se a si próprio.
Gráfico 1
Taxas de crescimento da economia portuguesa (PIB) prevista pelo
governo de Passos Coelho para o período 2011-2050

FONTE : Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social anexo ao Relatório do Orçamento do Estado para 2012 (pág. 240)

Como revela o gráfico 1, o governo de Passos Coelho prevê que a economia portuguesa (PIB) cresça, em média, 0,4% no período 2011-2015; 1,1% no período 2016-2020; 1,8% no período 2021-30; 1,5% no período 2031-40; e 1,2% no período 2041-50.  A média destas taxas dá uma taxa de crescimento do PIB de apenas 1,2% por anos para o período 2011-2050. E como a experiência já mostrou a realidade é sempre pior do que as previsões do governo por isso o crescimento será certamente inferior ao previsto pelo governo.
Mas mesmo com uma taxa média de crescimento no período 2011-2050 de apenas 1,2% ao ano, como é que se pode falar de uma “trajectória de prosperidade crescente em Portugal”? Se existisse um mínimo de honestidade intelectual afirmações como aquelas, que objectivamente visam manipular a opinião pública e enganar os portugueses não podiam nem deviam ser feitas.
Para que se possa ficar com uma ideia clara das consequências destas taxas de crescimento económico, basta analisar os seus efeitos sobre o desemprego, que é uma dimensão extremamente importante para todos os portugueses. A experiencia mostra que, em Portugal, o desemprego aumenta de uma forma rápida quando a taxa de crescimento económico (PIB) diminui, e continua a crescer enquanto a taxa de crescimento do PIB se mantém muito baixa, como mostra o gráfico seguinte construído com dados oficiais referentes às taxas decrescimento do PIB e do desemprego em Portugal nos últimos 16 anos (1996-2012). .
Gráfico 2
Relação entre o crescimento económico (PIB) e o desemprego em Portugal

FONTE: 1996-2010: Eurostat. 2011-2012: PIB: Eurostat; Taxa de desemprego: Relatório OE-2012

Como revela o gráfico, em Portugal a taxa de desemprego aumenta logo que o crescimento económico (PIB) diminua abaixo do 2% (isso aconteceu a partir de 2001 como mostra o gráfico). Só com um crescimento superior a 2% é que a taxa de desemprego começa a diminuir.

E o que prevê o ministro das Finanças e o próprio governo de Passos Coelho para Portugal no período 2011-2050?  Um crescimento económico que, em média, rondará apenas 1,2% por ano. E como mostra a experiencia, que se encontra plasmada no gráfico 2 construído com dados oficiais, com as taxas de crescimento como as previstas pelo actual governo para o período 2011-2050, a taxa de desemprego em Portugal, que já atinge valores inaceitáveis, continuará a aumentar de uma forma continua. É esta a “trajectória de prosperidade crescente” de que fala o ministro das Finanças, que certamente a política de destruição da economia e da sociedade portuguesa levada a cabo pelo actual governo inevitavelmente conduzirá, sendo até muito provável que a situação no futuro, a continuar esta politica, ainda seja mais grave que os dados oficiais do gráfico 2 mostram.   

O EMPOBRECIMENTO CONTINUADO DO PAÍS E O AUMENTO DA MISÉRIA EM PORTUGAL

Apesar do próprio governo prever no Relatório do Orçamento do Estado para 2012 um agravamento da taxa de desemprego (12,5% em 2011, e 13,4% em 2012), mesmo assim a verba constante da proposta do Orçamento da Segurança Social para 2012 para pagar subsídios de desemprego não aumenta, até diminui. De acordo com o quadro III.3.23, que consta da pág. 93 do Relatório do OE-2012, o governo estima gastar, em 2011, com o pagamento de subsídios de desemprego 2.067,35 milhões € e, em 2012, apenas 2.046,36 milhões €. Portanto, o desemprego vai aumentar segundo o próprio governo, mas o apoio aos desempregados diminui. E isto é ainda mais grave, se se tiver presente que o numero oficial de desempregados já é superior a 696 mil segundo o INE, mas o numero de desempregados que, em Setembro de 2011, recebiam subsidio de desemprego eram apenas 296.336 segundo a Segurança Social, o que correspondia a uma taxa de cobertura de somente 42,6%, portanto mais de metade do número oficial de desempregados já não recebe subsidio de desemprego. E recorde-se que o desemprego real (1.018,5 mil calculado com base nos dados do INE) é ainda muito superior ao desemprego oficial. Por outro lado, segundo também o INE, no fim de 2009 (e a situação actual ainda é mais grave), mais de 43 em cada 100 portugueses (4.600.000 no país) cairiam no limiar da pobreza se não existissem as “transferências sociais”. Ao aumentar o desemprego como é previsível se actual politica continuar, e ao reduzir o numero de desempregados a receber o subsídio de desemprego, ou seja, as transferências sociais, como tem acontecido até aqui (entre Jan-2010 e Set-2011, passou de 370.658 para 296.336, ou seja, diminuiu em 74.322), e como o governo de Passos Coelho tenciona continuar a fazer, mas de uma forma mais drástica para reduzir o défice orçamental, é inevitável que a miséria aumentará.

É cada vez mais claro que as politicas erradas impostas a nível da U.E. estão a conduzir esta, e os países que a integram, ao declínio e ao aumento da pobreza. É já altura de inverter a situação.  
Eugénio Rosa , Economista, 6.11.2012

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Quem vive muito acima das suas possibilidades é o Estado, a classe política, os gestores públicos

«A mentira mais repetida na vida política portuguesa é a de que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, trabalham pouco, ganham demasiado e deveriam poupar mais. Nada de mais errado: este conjunto de mitos constitui um embuste.  

O primeiro mito é o de que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, fazem férias caras e compram bens que não deviam. Um logro. Quando adquirem bens ou serviços, os cidadãos fazem-no ou com o seu dinheiro ou a crédito. No primeiro caso, estão no seu direito. Na segunda hipótese, a responsabilidade será sempre do cliente; ou, se resulta de má avaliação ou ganância por parte da banca, é por esta que deve ser assumido o prejuízo. Muito pelo contrário, quem vive muito acima das suas possibilidades é o Estado, a classe política, os gestores públicos e todos os que comem da manjedoura que é o orçamento do estado. O português comum, esse, infelizmente, tem vivido muito abaixo do nível médio do europeu.

O segundo mito, em Portugal trabalha-se pouco. Uma falsidade. Os nossos trabalhadores cumprem horários semanais dos mais extensos da Europa. Estão é mal enquadrados e são mal dirigidos. Na administração pública, a gestão é fraca, os dirigentes, "boys" partidários, são, na sua maioria, habilidosos caciques e organizadores de campanhas, mas péssimos gestores. Acresce que a incompetência se contagia às empresas privadas que vivem de favores do Estado e que, para isso apenas, contratam traficantes de influência. Com dirigentes destes, a produtividade só poderia ser fraca. E ganham demais? Não me parece que salários altos alguma vez tenham sido o problema de Portugal. Pelo contrário, é lamentável que tenhamos chegado a 2011 com um ordenado bruto médio de 900 euros, o que representa um rendimento líquido mensal de 711 euros. Isto é ganhar muito? Finalmente, é agora moda pedir aos portugueses que poupem. Mas vir pedir a um povo, que tem salários de miséria, para poupar é, no mínimo, ridículo e insultuoso. E inútil. Todo este chorrilho de mentiras e moralismos apenas servem para disfarçar a incapacidade dos políticos. O que os portugueses precisam não é de lições de moral, mas sim de governantes competentes e sérios.»

Artigo da autoria de Paulo Morais, Professor Universitário, publicado no jornal CORREIO DA MANHÃ em 1 de Novembro de 2011

domingo, 4 de setembro de 2011

Combate os «falsos recibos verdes» convertendo-os em contratos efectivos

PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS
PROJECTO DE LEI N.º 1/XII-1ª

O XIX Governo Constitucional da coligação PSD/CDS-PP apresentou ontem o seu programa de Governo. Tal como o Governo anterior, entre o conjunto de medidas ali anunciadas nenhuma se dirige ao combate ao grave problema que os falsos recibos verdes constituem na nossa sociedade, atingindo de uma forma particular as novas gerações. Pelo contrário, em diversos aspectos avançam para a sedimentação destas situações no mundo do trabalho.
De facto, em relação à juventude não existem quaisquer medidas programáticas de promoção de estabilidade no emprego. Pelo contrário, o Programa de Governo avança com medidas gravosas que a concretizarem-se implicarão mais precariedade com a «flexibilização do período experimental no recrutamento inicial» e a generalização do
trabalho temporário (com a «a admissibilidade do recurso a trabalho temporário sempre que houver uma verdadeira necessidade transitória de trabalho» e «a possibilidade de prescindir da justificação»; a facilitação dos despedimentos com as «simplificações no processo de cessação dos contratos» (pp. 28 e 29 do Programa).
Assim, o Governo do PSD e CDS que tanto clama a “mudança” não é mais de uma continuidade das opções políticas que marcaram o Governo PS. Para o PCP, não só é possível como urgente promover, de uma vez por todas um efectivo combate aos falsos recibos verdes para trazer justiça a milhares de trabalhadores que são duramente explorados e sujeitos a uma brutal precariedade.
Na verdade, a precariedade laboral é uma praga social que atinge milhares de trabalhadores, sobretudo jovens e mulheres, a viver sempre na intermitência dos estágios não remunerados, dos estágios profissionais, do emprego sem direitos e do desemprego, sem saber quando e se terão direito ao domingo na folga semanal, sem saber quanto e se vão receber sempre a dia certo; sem saber se terão perspectiva de valorização do seu trabalho e progressão na carreira; mas a saber que os falsos recibos verdes lhes «roubam» 30% do salário.
Hoje no nosso país existem mais de 1 milhão e 200 mil de trabalhadores precários, uma fatia significativa de falsos recibos verdes, cerca de 25% do emprego total, que obedecem a uma hierarquia, que têm um horário de trabalho definido, que têm uma remuneração fixa, mas que não têm um contrato com direitos. A grande maioria destes trabalhadores ocupam um posto de trabalho permanente mas não têm um vínculo efectivo.
Hoje o nosso país, de acordo com dados do Eurostat, depois da Polónia e Espanha, é o país da União Europeia com maior taxa de trabalhadores contratados a prazo, 22% da população empregada.
Contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, encapotado trabalho em regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, são as formas dominantes deste fenómeno, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais.
Aos períodos contínuos ou descontinuados de precariedade de vínculo juntam-se, quase sempre, longos e repetidos períodos de desemprego.
A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos, é a precariedade da família, é
a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é assim um factor de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um factor de comprometimento do desenvolvimento do país.
Este grande problema da precariedade do trabalho, com nefastas consequências em todas as dimensões da vida dos trabalhadores e das suas famílias, está a assumir uma dimensão e contornos cada vez mais preocupantes.
Urge a criação de mecanismos dissuasores do recurso a estas práticas ilegais e dar cumprimento ao texto constitucional, protegendo efectivamente a parte mais débil da relação laboral.
O PCP propõe, desta forma, que, detectada uma situação de irregularidade consubstanciada no recurso ilegal à prestação de serviços (vulgo recibos verdes) que imediatamente seja convertido o contrato de prestação de serviços em contrato sem termo, cabendo então à entidade patronal provar a legalidade do recurso aos «recibos verdes».
O PCP entende que este é um passo fundamental e consequente na luta contra a chaga social da precariedade – do emprego e da vida.
Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Alteração ao Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho
O artigo 12º do Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 12.º
(…)
f) O prestador de trabalho se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade, designadamente através da prestação de trabalho à mesma entidade pelo período de seis meses ou que, no mínimo, 70% do seu rendimento total provenha da prestação de serviços a uma mesma entidade ou entidade em relação de domínio ou de grupo;
g) O prestador de trabalho realize a sua actividade sob a orientação do beneficiário da
actividade.
2 — Para efeitos das alíneas f) e g) do número anterior presume-se a existência de prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, sendo o contrato de prestação de serviços automaticamente convertido em contrato de trabalho sem termo por requisição do trabalhador ou de organização representativa dos trabalhadores junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, cabendo à entidade patronal ilidir tal presunção.
3 — A cessação da prestação de serviços findo o prazo referido na alínea f) do n.º 2, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com a mesma entidade patronal ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de um ano.
4 — Anterior n.º 3
5 — Anterior n.º 4
Artigo 2º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 29 de Junho de 2011
Os Deputados,
Bernardino Soares, António Filipe, Francisco Lopes, João Oliveira, Miguel Tiago, Bruno Dias, Paula Santos, Jorge Machado, Honório Novo, Jerónimo de Sousa, Rita Rato, Agostinho Lopes, Paulo Sá

Combater a precariedade e os falsos recibos verdes

BLOCO DE ESQUERDA
PROJECTO DE LEI N.º 3/XII/1.ª

Exposição de Motivos
Portugal tem hoje 800 mil desempregados e quase 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras precários. Os dados do INE, relativamente ao ano de 2010, revelam que existem 1.968.900 trabalhadores com contratos a prazo e trabalhadores independentes, a maioria dos quais como falsos recibos verdes.
De acordo com o Banco de Portugal (2010), 9 em cada 10 empregos criados são precários e têm pouca probabilidade de se tornarem permanentes e o fim do trabalho não permanente representa já a maior fatia de inscrições nos Centros de Emprego (44,1%), contribuindo decisivamente para a histórica taxa de desemprego de 11,1%.
Diariamente trabalhadores e trabalhadoras, representantes de trabalhadores e movimentos sociais de combate à precariedade denunciam os dramas laborais, pessoais e sociais de quem está nesta situação laboral.
Todos conhecemos situações de falso trabalho independente que se mantêm por dezenas de anos consecutivos para o mesmo empregador e situações de contratos a prazo ou estágios para funções permanentes. Assim, a precariedade no trabalho vai-se tornando regra, sacrificando milhões de vidas.
No entanto, e apesar do aparente consenso dos decisores políticos na critica à precariedade laboral, o Governo e o Partido Socialista têm sistematicamente rejeitado as medidas políticas e as alterações legislativas concretas que resolveriam este problema.
A Autoridade para as Condições do Trabalho tem reconhecido repetidamente a falta de meios e a dificuldade de fiscalização destas situações. Por um lado, porque nunca foi posta em prática uma verdadeira campanha de fiscalização que, dando corpo ao princípio “trabalho com direitos”, penalizasse os infractores e impedisse a contratação ilegal. Por outro lado, porque a legislação existente não oferece os mecanismos adequados para por termo às ilegalidades laborais.
O Inspector-Geral do Trabalho, José Luís Forte, foi peremptório numa entrevista em Setembro de 2010, dizendo: “A única coisa que se poderia configurar na lei seria se, com a persistência na ilegalidade, se estaria ou não a cometer um crime de desobediência.
(.) Se o mecanismo existisse, tornaria mais fácil a diminuição da precariedade e menos usual o incumprimento”
No entanto, três anos volvidos, a precariedade aumentou de mãos dadas com o desemprego e a crise económica serviu de arma de arremesso e de chantagem contra os trabalhadores e as trabalhadoras.
De facto, a ACT pode levantar uma contra-ordenação ao empregador, caso se verifique que a prestação de actividade, aparentemente autónoma, está, na verdade, a ser realizada em condições características de contrato de trabalho, mas o empregador não fica obrigado à integração do trabalhador. O trabalhador continua, assim, a ter de recorrer à via judicial para a prova da existência de tal contrato de trabalho, apesar de ser a parte mais fragilizada e de, muitas vezes, sofrer enormes pressões por parte do empregador.
É assim necessário dotar a ACT de poderes administrativos e executivos que permitam a
protecção do trabalhador e a sua integração imediata, no caso de se verificar que o empregador o contrata a falsos recibos verdes.
Com este Projecto de Lei o Bloco de Esquerda pretende:
- Combater os falsos recibos verdes, dissuadindo as práticas de contratação ilegal.
- Clarificar o que é falso trabalho independente, bastando que se verifiquem duas condições definidas para a presunção de contrato de trabalho, sem mais.
- Obrigar à integração dos falsos trabalhadores independentes nos quadros das empresas, na Segurança Social e nas Finanças, garantindo que a sua antiguidade na empresa é tomada em conta aquando da realização do contrato.
- Criminalizando a desobediência às indicações da ACT, para que seja claro que o empregador é punido se não integrar o falso trabalhador independente.
- Defender o emprego e o trabalho com direitos, não aceitando a desculpa da crise para acentuar a chantagem social sobre quem trabalha.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados
do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Capítulo I
Artigo 1.º
Objecto
1 - A presente lei estabelece o procedimento especial de combate à utilização abusiva de falso trabalho independente e sanciona a prática de actos relacionados com este facto.
2 - Este procedimento é autónomo, e não prejudica o regime processual aplicável às
contra-ordenações laborais e de segurança social previsto na Lei 107/2009, de 14 de Setembro.
Artigo 2.º
Âmbito
A presente lei vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.
Artigo 3.º
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem pelo menos duas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Consideram-se práticas sancionadas as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, designadamente, promovam:
a) A contratação de trabalhadores sem vínculos laborais permanentes para o desempenho de tarefas que correspondam a necessidades permanentes;
b) A contratação de trabalho não declarado e ilegal;
c) A contratação de falso trabalho independente.
Artigo 4.º
Órgão competente
1 - A aplicação da presente lei é efectuada pela Autoridade para as Condições de Trabalho, abreviadamente designada por ACT.
2 - Para além das atribuições e competências previstas no Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de Junho e no Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de Setembro, compete à ACT emitir despacho homologatório em todos os autos de notícia elaborados no âmbito desta Lei.
3 - Os dados referentes a esta matéria são enunciados, em capítulo autónomo, no relatório anual.
Artigo 5.º
Acção de informação e orientação
1 - A ACT exerce a acção com a finalidade de assegurar o respeito pelas normas do Código de Trabalho e o combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.
2 - A ACT presta aos serviços da administração directa, indirecta e autónoma do Estado, bem como às pessoas singulares e colectivas de direito público e privado, nos locais de trabalho ou fora deles, informações, conselhos técnicos ou recomendações sobre o modo mais adequado de observar as necessárias medidas para o combate à precariedade e ao trabalho ilegal.
Artigo 6.º
Auto de notícia
1 - Quando no exercício das suas funções, a ACT verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer situação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, designadamente as definidas no artigo 3.º, o inspector do trabalho elabora um auto de notícia.
2 - O inspector do trabalho elabora o auto de notícia em relação à infracção que tenha verificado e instrui o auto de notícia com os elementos de prova que disponha e a indicação de pelo menos duas testemunhas.
Artigo 7.º
Elementos do auto de notícia
1 - O auto de notícia referido no artigo anterior menciona especificamente os factos que
constituem a contra ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidas as infracções e o que averiguar sobre a identificação e residência do arguido, o nome e categoria do trabalhador, o seu tempo de trabalho, a identificação e a residência das testemunhas.
2 - No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal.
Artigo 8.º
Notificação e requisição de testemunhas
1 - Os titulares dos órgãos e serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como as empresas e estabelecimentos objecto de acção inspectiva pela ACT podem ser notificados pelo inspector responsável pelo procedimento, para a prestação de declarações ou depoimento que julguem necessários.
2 - A comparência para prestação de declarações ou depoimentos em acções de inspecção ou procedimentos disciplinares, de trabalhadores da administração directa e indirecta do Estado, bem como de outros trabalhadores do sector público, deve ser requisitada à entidade na qual exerçam funções.
3 - A notificação para a comparência de quaisquer outras pessoas para os efeitos referidos no número anterior pode ser solicitada às autoridades policiais, observadas as disposições aplicáveis do Código de Processo Penal.
4 - Os inspectores da ACT devem fazer constar no seu relatório anual de actividades os obstáculos colocados ao normal exercício da sua actuação.
Artigo 9.º
Conclusão do procedimento
1 - No final de cada acção inspectiva, o inspector responsável pelo procedimento elabora um auto de notícia e submete-o à decisão do dirigente máximo do serviço de inspecção, que o deve reencaminhar, para homologação, ao Inspector-geral do Trabalho.
2 - O Inspector-geral do Trabalho pode delegar no dirigente máximo do serviço a competência para a homologação dos autos de notícia.
Artigo 10.º
Despacho homologatório
O despacho homologatório contém:
a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A decisão;
e) Eventual participação ao Ministério Público dos factos com relevância para o exercício da acção penal.
Artigo 11.º
Notificação à entidade empregadora do despacho homologatório
1 - O despacho homologatório é notificado à entidade empregadora, para, no prazo de 30 dias, regularizar a situação constante do despacho referido no artigo anterior.
2 - Essa regularização obriga a entidade empregadora à inscrição do trabalhador nos serviços da segurança social, bem como à necessária inscrição para efeitos fiscais junto do serviço de finanças.
3 - O despacho homologatório elaborado pelo inspector de trabalho é imediatamente
comunicado ao serviço de finanças e à segurança social.
4 - O despacho homologatório que impõe a regularização da situação adquire força obrigatória geral.
Artigo 12.º
Efeitos da impugnação judicial
1 - A impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo.
2 - A impugnação judicial que homologue a decisão da ACT, condena o arguido a reintegrar o trabalhador e a regularizar a sua situação laboral.
3 - Caso a impugnação judicial seja aceite e provada não há direito de regresso sobre o
trabalhador.
Artigo 13.º
Custas processuais
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do regulamento das custas processuais.
Artigo 14.º
Contra-ordenações
1 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
2 - Em caso de reincidência, é aplicada uma sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício do outorgado por entidade ou serviço público, por período de dois anos.
Artigo 15.º
Responsabilidade penal em matéria de presunção de contrato de trabalho
A omissão das obrigações impostas no número 2.º do artigo 11.º constitui crime de desobediência qualificada, prevista e punida pelo código penal.
Artigo 16.º
Direito subsidiário
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.
Artigo 17.º
Cumprimento da obrigação devida
O pagamento da coima não dispensa o infractor do cumprimento da obrigação, se este ainda for possível.
Artigo 18.º
Comunicações
A ACT comunica, trimestralmente, à segurança social e ao serviço de finanças, os procedimentos de contra-ordenação em curso e as coimas aplicadas.
Artigo 19.º
Regiões Autónomas
Na aplicação da presente lei às Regiões Autónomas são tidas em conta as competências legais atribuídas aos respectivos órgãos e serviços regionais.
Artigo 20.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor 90 dias após a data da sua publicação.

Assembleia da República, 29 de Junho de 2011.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,

domingo, 26 de junho de 2011

A RESPONSABILIDADE DOS BANQUEIROS PELA CRISE QUE PORTUGAL ENFRENTA, E PELO ACTUAL ESTRANGULAMENTO FINANCEIRO DAS EMPRESAS

Estudo da responsabilidade do economista Eugénio Rosa
Resumo deste Estudo


(clicar nos quadros para aumentar)

Em Portugal, a concentração bancária é muito superior à média da U.E. Segundo o Banco de Portugal, em 2009, os cinco maiores bancos a operar no nosso País controlavam mais de 70% do valor dos “activos” de todos os bancos, quando na U.E. os cinco maiores bancos controlavam, em média, em cada país 42% dos “activos”.Este poder já enorme dos cinco maiores bancos é ainda aumentado pela posição dominante que também têm nos outros segmentos de mercado do sector financeiros (seguros; fundos de pensões; fundos de investimento mobiliário; fundos de investimento imobiliário; e gestão de activos). Esta situação, associada ao facto de uma parte importante do capital dos 4 maiores bancos privados já pertencer a grandes grupos financeiros internacionais, dá-lhes um imenso poder sobre o poder politico e sobre todo o processo de desenvolvimento em Portugal, condicionando-o de acordo com os seus interesses
A banca é um negócio “especial”, pois os banqueiros negoceiam fundamentalmente com dinheiro alheio obtendo assim elevados lucros. Segundo o Banco de Portugal, em Dezembro de 2010, o valor de todos os “Activos” da banca a operar em Portugal atingia 531.715 milhões €, enquanto os chamados “Capitais Próprios” da banca, ou seja, o que pertencia aos seus accionistas, somava apenas 32.844 milhões €, isto é, correspondia a 6,2%; por outras palavras, o valor dos Activos era 16,2 vezes superior ao valor do “Capital Próprio” dos “Activos”. Este rácio revela o elevado grau de “alavancagem” existente no sistema bancário em Portugal que permite aos banqueiros obter elevados lucros com pouco capital próprio (o que lhes pertence).
A banca a operar em Portugal está descapitalizada devido a uma elevada distribuição de lucros (o mesmo sucede com a EDP e PT, por ex.). Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de o fazer. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca, depois do pagamento dos reduzidos impostos a que está sujeita, somaram 8.972 milhões €. Entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2010, os Capitais Próprios da banca aumentaram apenas 4.571 milhões €. Apesar de redução de “Capitais Próprios” em 2008, uma parte dos 4.401 milhões € de lucros líquidos restantes foram distribuídos. E isto é reforçado quando o aumento de “capital” foi também conseguido através de novos accionistas. O Fundo de Garantia de Depósitos, cujo provisionamento é da responsabilidade da banca, está também subfinanciado (pensa-se em 15.000 milhões €). Este fundo é referido no ponto 2.15 do “Memorando”

Fala-se muito da divida do Estado, mas segundo o Banco de Portugal, a banca devia, em Dez-2010, 49.157 milhões € ao BCE e 81.125 milhões € a outros bancos, ou seja, 130.282 milhões €.
A banca em Portugal está profundamente fragilizada. A prova disso é que ela é incapaz de se financiar nos “mercados internacionais” sem a ajuda (o aval do Estado). A banca é também incapaz de financiar a economia, agravando a crise e o desemprego. Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito em Portugal diminuiu em 1.965 milhões €, apesar dos depósitos na banca terem aumentado em 12.080 milhões €. A continuar, milhares de empresas entrarão em falência fazendo disparar ainda mais o desemprego. A agravar tudo isto está a exigência de “desalavancagem do sector bancário” constante dos pontos 2.2 e 2.3 do “Memorando”. O “rácio” de transformação na banca (quociente entre o credito liquido a clientes e os depósitos) é considerado pelas agências de “rating”, pelo FMI e pelo BCE como sendo muito elevado, e estão a pressionar o governo e o Banco de Portugal para que desça. Entre Dez.2009 e Dez.2010, o “rácio” de transformação diminuiu de 146% para 138%, ou seja, a banca reduziu o crédito de 1,46€ para 1,38 € por cada um euro de depósitos. A redução para 120%, como exigem as agências de “rating”, reduzirá ainda mais a capacidade da banca para financiar a economia, agravando a crise.
Esta situação é agravada pela profunda distorção da politica de crédito dos banqueiros na busca de lucros fáceis e elevados, responsável também pela actual crise. Entre 2000 e 2010, o crédito a habitação aumentou em 156%; o crédito ao consumo subiu em 137%; mas o crédito à actividade produtiva (agricultura, pescas e industria transformadora) cresceu apenas em 41%. Em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representava apenas 5,5% do credito total, enquanto à habitação atingia 34,6%, à Construção e Imobiliário 12,6% e ao Consumo 4,9%. E tenha-se presente que a banca financiou o crédito à habitação, que é um crédito a longo prazo (30-40 anos), com empréstimos a curto e médio prazo, pois não possui meios financeiros próprios. E como não consegue novos financiamentos para os substituir, as dificuldades da banca crescem, e corta ainda mais no crédito. No “Memorando de entendimento” estão 2 medidas: (1) O Estado conceder avales à banca até 35.000 milhões para esta se poder financiar; (2) O Estado endividar-se até 12.000 milhões € para reforçar o capital da banca. Mas isto é só admissível se o Estado controlar os bancos que forem apoiados, até porque a situação difícil que vive a banca “portuguesa” é consequência também da má gestão dos banqueiros, e deixá-los à “solta”,é permitir que continuem uma politica que tem sido nefasta para o País e para os portugueses.Os banqueiros em Portugal têm procurado fazer passar a mensagem junto da opinião pública que não têm qualquer responsabilidade pela grave crise económica que o País enfrenta, já que ela resultaria da crise internacional e das más politicas governamentais seguidas no passado de que eles não tiraram qualquer proveito. Tem-se assistido, desta forma, a uma autêntica operação de branqueamento e de desresponsabilização dos banqueiros, procurando fazer crer a opinião pública que eles são diferentes e muito melhores do que os banqueiros dos outros países. E como têm apoios e defensores poderosos nos principais media essa mensagem tem sido repetida até a exaustão procurando que, de tanto repetida, acabe por ser aceite como verdadeira pela opinião pública. Por isso, interessa analisar de uma forma objectiva o que tem sido a politica da banca em Portugal nos últimos anos, como ela contribuiu para a crise actual, e como está a estrangular financeiramente as empresas, o que determinará o aumento significativo do desemprego. Nessa análise utilizar-se-á dados oficiais indicando ao leitor as fontes.

O GRAU DE CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA EM PORTUGAL É MUITO SUPERIOR À MÉDIA DA U.E.

O gráfico I, consta do Relatório de Estabilidade Financeira divulgado em Maio de 2011 pelo Banco de Portugal.
Em 1997, o valor dos “Activos” dos cinco maiores bancos a operar em Portugal já representavam cerca de 46% dos “activos” de toda a banca no nosso País, enquanto nos países da U.E. os cinco maiores bancos detinham, em média, 37% do valor dos “Activos” da banca de cada um dos países. Em 2009, essa percentagem dos cinco maiores bancos a operar em Portugal já tinha aumentado para cerca de 70%, enquanto nos países da União Europeia, os cinco maiores bancos de cada um dos países da U.E. controlavam em média, no mesmo ano, apenas 42% do valor total dos “activos” bancários desses países. Em 2009, o grau de concentração bancária em Portugal era 66% superior à média dos países da União Europeia. Esta elevadíssima concentração bancária no nosso País, muito superior à verificada nos restantes países da U.E., dá, aos cinco maiores bancos a operar em Portugal (CGD, o MIllennium BCP, o BES, o Santander-Totta e o BPI), um imenso poder que lhes permite condicionar o poder politico e todo o processo de desenvolvimento no nosso País. Apesar do “Memorando do FMI-BCE-CE constar já “a definição de um calendário mais ambicioso para a venda do negócio segurador do grupo Caixa (Fidelidade-Mundial e Império-Bonança), e de um programa para a alienação gradual de todas as subsidiárias non core e, se necessário, de uma redução das actividades no estrangeiro” (ponto 2.5), Passos Coelho, em declarações a jornais estrangeiro, já veio dizer que pretende “ir mais longe”, ou seja, privatizar ainda mais o que, a concretizar-se, só poderá determinar o aumento do domínio da economia e da sociedade portuguesa e, consequentemente, todo o processo de crescimento e de desenvolvimento em Portugal pelos grupos financeiros como, o que já existe, ainda não fosse suficiente. Isso só poderá agravar ainda mais as dificuldades actuais.

OS CAPITAIS DOS BANQUEIROS APENAS REPRESENTAM 6% DO VALOR DOS ACTIVOS DA BANCA, TUDO O RESTO É CAPITAL ALHEIO QUE NÃO PERTENCE AOS ACCIONISTAS DA BANCA

A maior parte do capital que está na banca não pertence aos proprietários (accionistas) dos bancos. Apenas uma pequena percentagem é que lhes pertence, os chamados “Capitais Próprios”.


No período 2007-2009, os “Capitais Próprios” da banca a operar em Portugal representavam uma pequena percentagem dos seus “Activos” – em média 6,1%-o que significa que ela vive fundamentalmente de capitais alheios, que não pertence aos banqueiros. Dito de outra forma, em média por cada 100 euros de “Activos” (e “Activos” corresponde aquilo que banca possui mais aquilo que tem a receber), apenas 6,1 euros pertencem aos “banqueiros”. Esta elevada “alavancagem” (Activos em média 16,5 vezes superiores aos Capitais Próprios) têm permitido aos banqueiros gerirem um gigantesco volume de capitais alheios em seu proveito, ou seja, com objectivo de obter elevados lucros. Em Dezembro de 2010, segundo o Banco de Portugal, o capital alheio gerido pela banca em Portugal atingia o gigantesco montante de 498.907 milhões € (2,8 vezes o PIB português), enquanto os “Capitais Próprios”, ou seja, o que pertencia aos accionistas da banca era apenas de 32.844 milhões € (6,2%).

A BANCA EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE DESCAPITALIZADA DEVIDO À MAIOR PARTE DOS LUCROS NÃO SEREM INVESTIDOS MAS DISTRIBUIDOS PELOS ACCIONISTAS

O quadro seguinte, construído com dados dos Relatórios de Sustentabilidade Financeira do Banco de Portugal, mostra que os banqueiros têm descapitalizado a banca a operar em Portugal.


Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de descapitalizar a banca. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca depois do pagamento de impostos atingiram 8.972 milhões €. Mas os “Capitais Próprios” da banca, durante este período, aumentaram somente em 4.571 milhões €, sendo a diferença de 4.401 milhões €. Portanto, apesar da redução verificada nos “Capitais Próprios” em 2008, uma parte daquela diferença de 4.401 milhões € de lucros líquidos foram distribuídos aos accionistas. E tal conclusão é ainda reforçada pelo facto de nos poucos aumentos de capital que se registaram participarem novos accionistas.

A BANCA A OPERAR EM PORTUGAL ESTÁ PROFUNDAMENTE ENDIVIDADA E SEM CAPACIDADE PARA FINANCIAR A ECONOMIA

O crédito em Portugal tem diminuído o que tem contribuído para o estrangulamento financeiro das empresas, estando já a pôr em causa a própria sobrevivência de muita delas.


Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito diminuiu em Portugal em 1.965 milhões €, apesar dos depósitos e outros empréstimos dos clientes à banca terem aumentado em 12.080 milhões €. Isto resultou do facto da estar a ser pressionada quer pelas empresas de”rating” quer pelo FMI e BCE para diminuir o seu “rácio” de transformação (quociente do valor do crédito a dividir pelos recursos de clientes). Efectivamente, entre Dez.2009 e Dez.2010, a banca reduziu esse “rácio” de 146% para 138%, ou seja, reduziu o crédito de 1,46 € para 1,38 € por cada euro de depósitos. E futuramente terá de reduzir ainda mais, pois a pressão externa (agências de “rating”, FMI e BCE) é que desça para 120% a fim de fazer desalavancagem do sector bancário”. Estando a banca descapitalizada, e os banqueiros não querendo ou não tendo meios para capitalizar a banca, a “solução” será reduzir ainda mais o crédito, nomeadamente à economia, o que, o que só poderá levar à falência muitas mais empresas, e ao aumento ainda mais rápido do desemprego. O aumento do rácio de capital – Tier 1 – para 9% em 2011 e para 10% em 2012, imposto pela “troika” à banca, está a determinar um maior domínio da banca pelo capital estrangeiro, pois é este que está a participar mais nos aumentos de capital. E como tudo isto já não fosse suficiente o FMI-BCE-BdP irão fazer uma análise do crédito concedido pelos bancos mais importantes o que poderá levar à detecção de “esqueletos”, aumentando as dificuldades da banca e, consequentemente, do financiamento à economia.

A POLITICA DE CRÉDITO DA BANCA CONTRIBUIU TAMBÉM PARA A GRAVE CRISE ACTUAL

Movidos pela avidez de lucros fáceis e rápidos, os banqueiros portugueses levaram a cabo nos últimos anos uma politica de crédito distorcida e profundamente danosa para o País.



Entre Dez.2000 e Dez.2010, o crédito à actividade produtiva (agricultura e indústria transformadora) aumentou apenas 41,2%, enquanto à “Construção e actividade imobiliária” cresceu 127,5%; à “Habitação” em 156,8%; e ao “Consumo” subiu 137,4%. Esta politica de crédito imposta pela banca e danosa para o desenvolvimento do País determinou que, em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representasse apenas 5,5% do credito total (em 2000, correspondia a 7,7%), enquanto o crédito à “Construção e actividade imobiliária” representasse 12,6%, à “habitação” 34,6% e ao “Consumo” 4,9% do credito total. E os banqueiros e os seus defensores ainda têm descaramento de dizer que não têm culpas na grave crise que enfrenta o País e que são diferentes, para melhor naturalmente, do que os banqueiros de outros países? A avidez de lucros elevados e fáceis, e a má gestão também caracteriza a gestão da banca em Portugal, o que contribuiu para a gravidade da crise actual e para os problemas que a banca enfrenta actualmente.

É NECESSÁRIO QUE O ESTADO CONTROLE A BANCA QUE APOIE PONDO-A AO SERVIÇO DO PAÍS

Os bancos que operam em Portugal estão profundamente endividados, descapitalizados, fragilizados e incapazes de obter financiamentos externos para financiar a economia. No “Memorando de entendimento”, estão previstos 35.000 milhões de euros para avales do Estado à banca para esta poder obter financiamentos; e 12.000 milhões de euros para aumentos de capital da banca à custa do endividamento do Estado. Embora as dificuldades da banca sejam neste momento enormes, pondo em causa o próprio financiamento da economia e das famílias, o apoio do Estado mesmo nestas condições só seria admissível se passasse a controlar, por ex. através da participação maioritária no capital dos bancos que apoiasse, e a pôr esses bancos ao serviço do desenvolvimento do País pois, se isso não acontecer, é de prever que a politica dos banqueiros que contribuiu também para o estado a que o País se encontra continue. Como a experiência já provou, eles estão mais interessados em obter lucros rápidos e fáceis, mesmo que isso seja à custa do desenvolvimento e da criação de condições geradoras de graves crises económicas e sociais com consequências dramáticas (estagnação, recessão, desemprego, desigualdades e da pobreza).


Eugénio Rosa, Economista, 22.6.2011

domingo, 19 de junho de 2011

Comunicado do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa

Os cristãos e todos os portugueses sabem que nós, Bispos e sacerdotes, evitamos tomar posição sobre as questões da política directa, preservando o nosso ministério espiritual, da polémica que naturalmente acompanha o debate partidário. Foi por isso que não respondemos às diversas solicitações que nos foram feitas para que falássemos no período que antecedeu as últimas eleições legislativas.

E se o fazemos hoje, depois do Povo Português ter indicado, pelo seu voto, o rumo que deseja para Portugal, não é para comentarmos politicamente os resultados, mas porque achamos que a Palavra da Igreja pode ajudar a discernir o caminho da salvaguarda do “bem-comum” de toda a sociedade, no momento difícil que Portugal atravessa.

Verificámos que alguns líderes políticos, no calor da disputa eleitoral, referiram a Doutrina Social da Igreja para secundar as suas propostas políticas. Tinham o direito de o fazer, pois a vastíssima doutrina da Igreja sobre a sociedade pode, realmente, inspirar programas de governação. É nessa perspectiva que ousamos, neste momento particularmente delicado do nosso País, sublinhar os seguintes aspectos:

1. A prioridade do “bem-comum” de toda a sociedade sobre interesses individuais e grupais é um dos pilares da doutrina da Igreja sobre a sociedade e que pode, neste momento, inspirar as opções governativas. Vamos pôr o bem da sociedade em primeiro lugar. Isso exige generosidade de todos na colaboração e aceitação dos caminhos necessários, na partilha de energias e bens, na moderação das opções ideológicas e estratégicas. Partidos, sobretudo os seus representantes que o Povo elegeu, as associações laborais, empresariais e outras, são chamados à generosidade de defenderem os seus direitos e interesses, dando prioridade total ao bem de toda a sociedade.

2. Além de generosidade, este momento exige, de todos os portugueses, grande realismo. A situação diminui a margem, legítima em democracia, para utopias. É este sentido de realismo que nos indica que devemos procurar soluções para Portugal no quadro social, político-económico em que está inserido: União Europeia, zona da moeda única, conjunto de países que se estruturam na base do respeito pela pessoa humana e pela sua liberdade, concretamente da liberdade de iniciativa económica.

Isto não pode resignar-se ao inevitável. Portugal tem de dar o seu contributo à evolução positiva, concretamente da União Europeia e da zona Euro, e só o fará se resolver positivamente, reconquistando a credibilidade, o momento que passa. Deve fazê-lo procurando que o esforço de equilíbrio financeiro não prejudique a economia, e que não se relativize a importância da saúde, da cultura e da educação.

3. A Doutrina Social da Igreja baseia a prioridade do “bem-comum” na vocação comunitária da sociedade. Esta não é um agregado de “indivíduos”, mas tende a ser comunidade, onde cada um se sente corresponsável pelo bem de todos, onde cada homem e mulher é nosso irmão.

Esta dimensão comunitária é prioritária na visão da Igreja. O amor fraterno, com a capacidade de dom, é o valor primordial na construção da sociedade. Sempre, mas de modo especial neste momento que atravessamos, os pobres, os desempregados, os doentes, as pessoas de idade, devem estar na primeira linha do amor dos cristãos. Este é um dever prioritário da Igreja, que ela quer realizar pelos seus meios próprios, mas em colaboração com todos os que procuram o “bem-comum”. Esta atitude exige generosidade e capacidade de dom, de que o voluntariado é uma expressão nobre. Os próximos tempos vão exigir partilha de bens. Mas não é a mesma coisa partilhar generosamente, e ser obrigado a distribuir. Temos de criar um dinamismo coletivo de generosidade e de partilha voluntária, fundamentada no amor à pessoa humana.

4. Há ainda na nossa sociedade muitas expressões de egoísmo, que vão desde a corrupção ao enriquecimento ilícito, a uma visão egocêntrica do lucro, etc. Uma ética da generosidade, da honestidade e da verdade tem de fazer parte da cultura a valorizar. O próprio sistema de justiça tem de ser um serviço que combata os atropelos à generosidade, à honestidade e à verdade. Sem um bom sistema de justiça, nenhuma sociedade será verdadeiramente justa.

Este momento de crise pode levar-nos a todos a lançar os dinamismos para a construção de uma sociedade mais fraterna e solidária. A Igreja quer, não apenas pela sua palavra, mas pelo seu compromisso na acção, ser a afirmação da esperança.

Fátima, 14 de Junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

Portugal: um balanço de 20 anos na União Europeia

Eugénio Rosa

Portugal aderiu à União Europeia (UE) em 1986, portanto, em 2006, completam-se 20 anos. É altura de se fazer um balanço objectivo, naturalmente diferente do balanço oficial, que neste artigo se vai limitar, até por uma questão de espaço disponível, a alguns aspectos importantes da realidade económica e social, ou seja, tentar saber o que essa adesão trouxe de bom e mau para o nosso país neste campo. E mais ainda quando na altura da adesão se fizeram promessas ao povo português de que ela traria desenvolvimento, crescimento económico, mais emprego, maior nível de vida, mais riqueza e mais justiça. Estas foram as promessas que os sucessivos governos quer do PS (o primeiro foi o de Mário Soares) quer do PSD (o primeiro foi de Cavaco Silva), que se alternam de uma forma pendular no poder, utilizaram abundantemente para justificar essa adesão.
Nestes 20 anos, Portugal recebeu fundos da UE que rondaram os 50 000 milhões de euros (o correspondente a 10.024,1 milhões de contos a preços correntes). Mas as questões que imediatamente se colocam são as seguintes: que vantagens obteve com tal adesão? E qual o preço que pagou e está a pagar por aqueles milhões de euros que ofuscaram e continuam a ser utilizados para ofuscar a consciência de muitos portugueses?Mesmo a nível de transportes, onde os investimentos elevados foram realizados com o apoio de fundos comunitários, mesmo aqui, repetimos, ao se optar preferencialmente pelo transporte rodoviário (construção de auto-estradas, pontes e viadutos), e ao se investir de uma forma insuficiente ou mesmo a desinvestir no transporte ferroviário criaram-se graves distorções a nível de todo o sistema de transportes com consequências muito pesadas quer no aumento da dependência energética do País quer em termos de ineficiência energética. Esta distorção, já se está a pagar pesadamente, como no caso do aumento significativo da factura energética, o que está a contribuir para o grave desequilíbrio das contas externas do País, muito mais grave que o défice orçamental.
A destruição do aparelho produtivo nacionalMas onde as consequências foram mais dramáticas para Portugal foi a nível da destruição do seu aparelho produtivo, como provam os dados oficiais constantes do quadro I.

Assim, a partir de 1985, verificou-se uma destruição gradual mas permanente da agricultura, das pescas e da indústria transformadora que são fundamentalmente os sectores produtivos de bens transaccionáveis, ou seja, aqueles que eventualmente podem ser exportados. Assim, entre 1985 e 2003, o peso que estes sectores representam no valor da riqueza nacional criada anualmente, baixou de 34,8% para apenas 22,4%, ou seja, sofreu uma quebra de 35,6%.A mesma redução verificou-se no emprego em sectores produtivos de bens transaccionáveis. Entre 1985 e 2003, o emprego na agricultura, silvicultura, pescas e indústria transformadora passou de 40,5% para apenas 29,1% do emprego total do país. Isto significou uma redução do emprego que estes sectores representam em relação ao emprego nacional em mais de 28%.Esta destruição tão significativa dos sectores que, por excelência, são produtivos, associada à destruição do Sector Público Empresarial, através de um processo de privatizações selvagem, levado a cabo pelos governos do PSD de Cavaco Silva e do PS de Guterres, colocou as empresas mais importantes sob o controlo de grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros, mais interessados em acumular lucros gigantescos que no desenvolvimento do país. Para além disso, e como confirma o relatório de 2003 do PRIME, que é um programa cofinanciado pela UE, que tem como objectivo a modernização da economia portuguesa, cerca de 80% do investimento apoiado por este programa que é realizado pelas empresas portuguesas destinam-se a tirar partido da mão-de-obra barata ou de recursos nacionais, o que significou que os fundos comunitários têm sido, na sua maioria, utilizados para perpetuar um modelo de crescimento económico que está esgotado, e que só poderia conduzir o país à grave crise que enfrenta actualmente.Tudo isto teve como consequência a perda de competitividade da economia portuguesa e, consequentemente, o aumento vertiginoso do défice da nossa Balança Comercial. A destruição do sector empresarial do EstadoCom a adesão à UE, mas nomeadamente com a sua integração na União Monetária e consequente substituição da nossa moeda nacional pelo euro, Portugal perdeu importantes instrumentos de política macroeconómica que passaram para a competência do Banco Central Europeu ou da Comissão Europeia. Assim, Portugal deixou de ter competência para fixar taxas cambiais e as taxas de juro que passaram para a competência do Banco Central Europeu. Portugal também deixou de poder fixar livremente o défice orçamental adequado ao desenvolvimento do nosso país, que passou para a UE. O mesmo sucede em relação aos investimentos, nomeadamente os maiores e estruturantes, que passaram a ser condicionados pelo cofinanciamento comunitário. Desta forma Portugal ficou indefeso perante situações de grave crise económica e social como é aquela que enfrenta actualmente.Um dos instrumentos que poderia no entanto ser utilizado para contrabalançar esta perda de importantes instrumentos de política macroeconómica, seria a existência de um forte Sector Empresarial do Estado, que poderia e deveria ser utilizado para levar a cabo uma política planeada de desenvolvimento do país. Efectivamente, se o Estado possuísse as maiores e principais empresas estratégicas (do sector bancário, segurador, telecomunicações, energia, etc.) poderia utilizá-las como instrumentos de uma política económica ao serviço do país.Mas o que sucedeu foi precisamente o contrário. Primeiro, os governos do PSD de Cavaco Silva e depois os governos do PS de Guterres, baseados no falso argumento de que era necessário melhorar a concorrência e desenvolver centros de decisão nacionais, procederam à privatização selvagem e maciça das principais empresas públicas, entregando a sua propriedade a grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Orientados por uma fúria privatizadora, onde os interesses nacionais estiveram totalmente ausentes, os governos do PSD iniciaram a privatização das principais empresas públicas, tendo entregue ao controlo total ou parcial de grandes grupos económicos 36 empresas pertencentes aos sectores da comunicação social, bancário, segurador, cervejeiro, de transportes, pasta de papel, energia, adubeiro e cimenteiro, que antes pertenciam ao Estado.Mas foi fundamentalmente com o governo de Guterres, e com a dupla Guterres-Pina Moura que se procedeu a uma onda maciça de privatizações de empresas públicas, muitas delas com contornos duvidosos.Assim, de 1996 a 2001, foram privatizadas, parcial ou totalmente, as maiores empresas públicas (Companhia Nacional de Petroquímica, Portugal Telecom, Cimpor, Banco Totta & Açores, Tabaqueira, Banco Comercial dos Açores, BFE, EDP, BRISA, Quimigal, Setenave, Galp), o que determinou que as principais empresas portuguesas, que antes eram públicas, passassem para o controlo dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Guilherme de Oliveira Martins, o ministro das Finanças do último governo de Guterres, gabou-se dessa obra no prefácio que escreveu ao estudo da Secretaria do Estado do Tesouro e Finanças que tem o título «Sector Empresarial do Estado: evolução no período 1996-2001», com as seguintes palavras: «no período compreendido entre 1996 e 2001, ou seja com governos PS, obteve-se “um encaixe de 15.919,8 milhões de euros” “com as privatizações quando “no período 1989-1995”, ou seja, com governos PSD, «o encaixe tinha sido de 6.827,3 milhões de euros, correspondentes na sua generalidade às operações de privatizações do sector bancário e segurador». E acrescentava com uma certa euforia: «o encaixe total obtido no período 1996-2001 (com governos PS) é revelador não só da decisão política de intensificação das operações de privatização como uma das principais transformações estruturais da economia portuguesa».Esta destruição do sector empresarial do Estado pelos governos do PSD e do PS teve consequências desastrosas para o país. A grave crise económica e social que Portugal enfrenta neste momento é também uma consequência desta política antinacional levada a cabo por estes governos. Efectivamente, Portugal ao ter de transferir os principais instrumentos de política macroeconómica para a UE, e não possuindo já um importante Sector Empresarial do Estado para poder pôr em prática uma política de crescimento económico e desenvolvimento que o país necessita, enfrenta crescentes dificuldades para ultrapassar crises como aquela que está a viver.E a situação ganha foros de escândalo quando os grupos económicos que dessa forma obtiveram a propriedade e controlo dessas empresas, mesmo em plena crise do país e das dificuldades da generalidade dos portugueses, conseguem obter, pelo facto de controlar essas empresas que antes eram públicas, lucros nunca vistos. Assim, de lucros, em 2005, a EDP obteve cerca de 1000 milhões de euros, a PT cerca de 600 milhões de euros, a banca obteve lucros que em alguns casos foram superiores em cerca de 90% aos alcançados em 2004, que já tinham sido bastantes elevados; o mesmo aconteceu com o sector segurador, etc., etc.. O capital predador, de que são exemplos a OPA da Sonae sobre a PT e do BCP sobre o BPI que não acrescentam nada ao tecido produtivo nacional, mercê da política de privatizações dos governos do PSD e do PS, comanda neste momento os destinos do país.Baixo nível de escolaridade e de qualificaçãoA riqueza de um país mede-se também pelo nível de escolaridade e de qualificação dos seus habitantes. As pessoas são a riqueza mais importante de um país, sem o que não é possível qualquer processo rápido de crescimento económico e de desenvolvimento.E durante estes 20 anos de adesão à UE os resultados neste campo fundamental para o país e para os portugueses foi um desastre, como provam os dados oficiais constantes do quadro II.


De acordo com dados da OCDE, entre 1991 e 2002 a população portuguesa com o ensino básico ou menos diminuiu somente 6 pontos percentuais, pois passou de 86% para 80%, enquanto a redução média nos países da OCDE atingiu 12 pontos percentuais pois passou de 45% para 33%, ou seja, o dobro do verificado em Portugal. E esta situação é ainda mais grave se se tiver presente que, em 1991, Portugal encontrava-se já numa posição muito mais desfavorável que a média dos países da OCDE (em 1991, 86% da população portuguesa tinha o ensino básico ou menos, enquanto a média na OCDE era de 45%), e que, em 2002, a média da OCDE tinha baixado para 33%, enquanto em Portugal a população com o ensino básico ou menos era ainda 80% do população total com idade entre os 25 e 64 anos. Em 2005, de acordo com os dados do INE, cerca de 72% da população empregada portuguesa possuía apenas o ensino básico ou menos; 18% o ensino secundário; e 12% o superior. É evidente que não é com este baixíssimo nível de escolaridade que Portugal poderá implementar um modelo de crescimento económico baseado em trabalho qualificado e bem pago. E não é o Plano Tecnológico, que tem constituído uma das bandeiras de propaganda do governo de Sócrates, que conseguirá garantir emprego à esmagadora maioria da população empregada que se sente ameaçada pelo desemprego.A desigualdade na repartição da riqueza continua a ser a mais grave da UEA adesão de Portugal à UE, mas nomeadamente à União Monetária, e como consequência do neoliberalismo que lhe está associado determinou o agravamento das desigualdades no nosso país, como mostram os dados do Eurostat constantes do quadro III.


Em primeiro lugar, Portugal é o país da UE onde a repartição do rendimento tem sido persistentemente mais desigual. Assim, em 2004, último ano em que o Eurostat divulgou dados sobre esta matéria, em Portugal os 20% mais ricos recebiam 7,2 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres da população, enquanto a média nos países da UE era, na mesma altura, de 4,8 vezes, portanto um valor inferior em 33% ao do nosso país.Depois, em relação a Portugal o valor de 2004 (7,2 vezes) é praticamente o valor de 1985 (7,4 vezes), o que mostra que desde que o país aderiu à UE não se verificou qualquer alteração significativa neste campo. Finalmente, se compararmos a situação portuguesa com a da Finlândia, um país altamente competitivo e com taxas de crescimento económico muito superiores à portuguesa, constata-se que sempre se verificou na Finlândia uma melhor repartição da riqueza (em 2004, os 20% mais ricos possuíam 3,5 vezes mais rendimento que os 20% mais pobres da população, que é menos de metade do valor registado em Portugal, que é 7,2 vezes), o que parece indiciar que a má distribuição do rendimento está associada também a baixas taxas de crescimento, verificando-se também o inverso: elevadas sustentadas taxas de crescimento estão associadas a melhores níveis de repartição da riqueza criada num país. Razão tem o PCP quando afirma que não é possível em Portugal um crescimento sustentado e elevado sem que simultaneamente se proceda a uma melhor repartição da riqueza e do rendimento. E isto é não só um imperativo social, face à generalização da pobreza coexistindo com uma minoria que acumula cada vez mais riqueza, mas também é uma necessidade económica.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Discurso do Presidente dos EUA, Barack Obama, na entrega do Prémio Pritzker 2011 de Arquitectura ao arquitecto Eduardo Souto de Moura

Bem, obrigado, Tom, por essa introdução. Obrigado a toda a família Pritzker pela vossa amizade e imensa generosidade em tantas causas. Quero também saudar o corpo diplomático aqui presente, assim como o Secretário Arne Duncan.

Em meu nome e de Michelle, quero começar por felicitar o vencedor desta noite, Eduardo Souto de Moura. E quero também agradecer aos membros do júri, que têm a difícil tarefa de escolher entre tantos arquitectos notáveis de todo o mundo.

Como o Tom disse, o meu interesse pela arquitectura vem de trás. Houve uma altura em que pensei que podia ser arquitecto, quando esperava vir a ser muito mais criativo do que sou. Em vez disso tive de entrar para a política. (risos)

E como os Pritzkers e muitos outros aqui podem confirmar, se gostamos de arquitectura há poucos lugares melhores para viver do que a minha cidade, Chicago. (Aplauso) É a terra dos arranha-céus – uma cidade cheia de edifícios e espaços públicos desenhados por arquitectos como Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright e Frank Gehry, que está aqui esta noite.

Na verdade, a sede da nossa última campanha foi num edifício desenhado por Mies van der Rohe. Durante dois anos esteve cheia de pessoas que trabalhavam sob pressão e que sobreviviam apenas com pizza. (Risos) Não tenho a certeza se era isso que Mies tinha em mente, mas para nós resultou muito bem.

E isto é arquitectura. É sobre criar edifícios e espaços que nos inspiram, que nos ajudam a fazer o nosso trabalho, que nos unem e que, no seu melhor, se transformam em obras de arte que podemos atravessar e onde podemos viver. É por isso que a arquitectura pode ser considerada a mais democrática das formas de arte.

Talvez isso explique por que razão Thomas Jefferson, que ajudou a consagrar os princípios da nossa nação, tinha uma enorme paixão pela arquitectura e pelo design. Ele passou mais de 50 anos a aperfeiçoar a sua casa em Monticello. E passou horas infindáveis a traçar e a rever os seus desenhos para a Universidade de Virgínia - um lugar onde ele esperava que as gerações seguintes viessem a estudar e a transformar-se, como ele descreveu, “no futuro baluarte da mente humana neste hemisfério”.

Como Jefferson, o homenageado desta noite passou a sua carreira não apenas a redefinir as fronteiras da sua arte, mas a fazê-lo de forma a servir as pessoas. Eduardo Souto de Moura desenhou casas, centros comerciais, galerias de arte, escolas e estações de metro – tudo num estilo que parece fácil e belo. Ele é um especialista no uso de diferentes materiais e cores, e as suas formas simples e linhas direitas enquadram-se facilmente no ambiente a que se destinam.

Talvez o trabalho mais célebre de Eduardo seja o estádio que desenhou em Braga, Portugal. Não se contentando nunca com a resposta mais fácil, Eduardo quis construí-lo na encosta de uma montanha. Para isso rebentou com quase um milhão e meio de metros cúbicos de granito e depois triturou-o para fazer o betão necessário para construir o estádio.

Teve também a preocupação de posicionar o estádio de forma a que quem não pudesse comprar bilhete assistisse ao jogo dos montes em volta. É quase uma versão portuguesa do Wrigley Field. (Risos)
E essa combinação de forma e função, de arte e acessibilidade, é a razão por que hoje honrarmos Eduardo com aquele que é conhecido como o “Prémio Nobel da Arquitectura”. “A Arquitectura deve falar do seu tempo e do seu lugar, mas ansiar a eternidade”, disse Frank Gehry, que já ganhou este prémio.

Eu quero agradecer a todos os homens e mulheres que criaram estas obras de arte eternas – não só por nos trazerem alegria, mas por fazerem do mundo um lugar melhor.


E Tom, mais uma vez obrigado pelo apoio extraordinário à arquitectura. Faz uma diferença enorme. Muito obrigado.

Discurso do arquitecto Eduardo Souto de Moura ao receber o Prémio Pritzker 2011

Exmo. Sr. Presidente dos EUA, Presidente do Júri, elementos do Júri, meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores,

Só quando recebi o convite dizendo “Eduardo Souto de Moura of Portugal” é que acreditei que tinha ganho o Pritzker 2011. Não posso esconder que fiquei feliz, por mim, pela minha família, colaboradores, amigos e clientes. Em nome de todos, os meus sinceros agradecimentos.

Aprendi a desenhar na Escola Italiana do Porto, cidade onde nasci, e no liceu decidi ser arquitecto. Não é que tivesse alguma paixão especial pela disciplina, mas na crise agnóstica dos 15 anos, duvidei se Deus devia ter descansado ao 7º dia. É que, pensando bem, ficou por fazer uma geografia como a de Delfos, a Acrópole para receber o Parténon ou secar um pântano no Illinois, onde a Farnsworth pudesse ficar.

Em 1975 depois da Revolução dos Cravos, comecei a trabalhar com o Arqº Siza Vieira. Não só pela arquitectura, mas sobretudo pela pessoa em si, foi uma experiência excepcional que ainda hoje continuo a fazer com o mesmo prazer. Saí do seu escritório nos anos 80, para ser arquitecto. Foi difícil começar, mas usar a sua “linguagem” parecia-me uma traição e mesmo que o quisesse, não o conseguia fazer, por pudor.

Depois da Revolução, e restabelecida a Democracia, abriu-se a oportunidade de redesenhar um país, onde faltavam escolas, hospitais, outros equipamentos, e sobretudo meio milhão de casas. Não era certamente o Pós-Modernismo, na altura em voga, que nos poderia resolver a questão. Construir meio milhão de casas, com frontões e colunas seria uma perda de energia, pois a ditadura já o tinha ensaiado. O Pós-Modernismo chegou a Portugal, sem quase termos passado pelo Movimento Moderno. É essa a ironia do nosso destino: “antes de o ser já o éramos”.

Do que precisávamos era de uma linguagem clara, simples e pragmática para reconstruir um país, uma cultura, e ninguém melhor que o proibido Movimento Moderno poderia responder a esse desafio. Não era só um problema ideológico, mas sobretudo de coerência entre material, sistema construtivo e linguagem. Se “arquitectura é a vontade de uma época traduzida num espaço”, Mies van der Rohe abriu-nos as portas na redefinição da disciplina tão massacrada até aí, pela linguística, semiótica, sociologia e outras ciências afins. O importante é que a arquitectura fosse “construção”, assim com urgência, nos pedia o país.

Com 10 séculos de História, Portugal encontra-se hoje numa grande crise social e económica, como já aconteceu em vários períodos anteriores. Hoje, como ontem, a solução para a arquitectura portuguesa é emigrar. Como dizia Paul Claudel: “Le Portugal est un pays en voyage, de temps en temps il touche l’Europe”. Resta-nos a “mudança”, como quer dizer a palavra “crise” em grego. Resta-nos decifrar o significado dos dois caracteres chineses que compõem a palavra “crise”: o primeiro significa “perigo”, o segundo “oportunidade”. Em África e noutras economias emergentes não nos faltarão oportunidades, o futuro é já aí. “Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose é obra própria nossa.” (1)

Muito obrigado.

Eduardo Souto de Moura

(1) Herberto Helder, “O Corpo. O Luxo, A Obra”

terça-feira, 31 de maio de 2011

Entrevista de Henrique Neto a Anabela Mota Ribeiro no JORNAL DE NEGÓCIOS em 5 de Novembro de 2010

Uma vez, fui a um debate em Peniche, conhecia o Sócrates de vista. Isto antes do Governo Guterres. Não sabia muito de ambiente, mas tinha lido umas coisas, tinha formado a minha opinião. O Sócrates começou a falar e pensei: “Este gajo não percebe nada disto”. Mas ele falava a com aquela propriedade com que ainda hoje fala, sobre aquilo de que não sabe. Eu, que nunca tinha ouvido o homem falar, pensei: “Este gajo é um aldrabão, é um vendedor de automóveis. Ainda hoje lhe chamo vendedor de automóveis".

"Quando se pôs a hipótese de ele vir a ser secretárrio-geral do PS, achei uma coisa indescritível. Era a selecção pela falta de qualidade. O PS tem muita gente de qualidade. Sempre achei que o PS entregue a um tipo como o Sócrates só podia dar asneira".

"Gosto muito de Portugal – se tiver uma paixão é Portugal – e não gosto de ninguém que dê cabo dele. O Sócrates está no topo da pirâmide dos que dão cabo disto. Entre o mal e o bem que faz, com o Sócrates, a relação é desastrada".

"Há caras de que gostamos mais e outras menos, mas não me pesa assim tannto. Além do facto de que estou convencido de que ele não é sério, também noutros campos. Conheci a a vida privada do Sócrates, ele casou com uma moça de Leiriia, de quem conheço a família. Sou amigo d do pai dela, que foi o meu arquitecto para a casa de São Peddro de Moel. Esta pequena decoração que vvê aqui [em casa] foi feita pela cunhada do Sócrates. Às vezes compro umas pinturas que a mãe delas faz. Nunca fui próximo da família, mas tenho boas relações. Não mereciam o Sócrates. Portanto, sei quem é o Sócrates num ambiente familiar. Sei que é um indivíduo que teve uma infância complicada, que cobre a sua insegurança com a arrogância e com aquelas crispaçõees. Mas um País não pode sofrer de coisas dessas".

"Escrevi uma carta ao Guterres, que foi publicada, em que lhe disse coisas que digo do Sócrates. Era deputado quando escrevi a carta a, era da comissão política do Partido Socia alista. Foi na fase de Pina Moura e daqueles descalabros to odos. Na comissão política, estão publicadas a algumas dessas coisas, [sobre] os negócios do Jorge Coel lho e do Pina Moura. Depois de ter falado d disso tudo em duas ou três reuniões e não ter acontecido nadda, escrevi uma carta e mandei ao Guterres. Ele distribuiu a carta. No outro dia veio nos jornais. Era u uma carta duríssima. Os problemas eram os mesmos, estávamos a caminhar mal, estávamos a engan nar os portugueses, a dizer que a economia a estava na maior, quando não era verdade. Na altura já falav va com o Medina Carreira e ele já falava comigo".

"Quando o Pina Moura foi ministro das Finanças, uma senhora das Finanças instalou-se lá na empresa. Nunca contei isto. Encontrava-a no elevador, nunca falei com ela, “bom dia a Sra. Dr.ª.”. Mas os meus homens contavam-me. Andou à p procura, à procura, à procura como uma do oida. Esteve lá alguns dois anos. As coisas não são impunes, a gente paga-as neste mundo. Disse o qu ue quis do Pina Moura, da maioria desses gajos; era natural q que se defendessem. Os seus colegas jornalis stas muitas vezes foram ao Pina Moura com o que eu disse; e ele: “Não comento”. O Guterres também não comentava, e o Sócrates também não comenta. Aliás, quando faço uma intervenção ao pé dele fica histérico, não me pergunte porquê".

"Estudei um pouco da história portuguesa, nomeadamente dos Descobrimentos; fizemos erros absurdos. Um dos erros é deixarmo-nos enganar, ou pelos interesses, ou pela burrice. O poder, os interesses e a burrice é explosivo. Descambámos no Sócrates, que tem exactamente estas três qualidades, ou defeitos: autoridade, poder, ignorância. E fala mentira. Somos um País que devia usar a inteligência e o debate para resolver os problemas, e temos dirigentes que utilizam a mentira e evitam o debate".

"A última comissão política do PS foi feita no dia em que o Sócrates anunciou estas medidas todas. Convocou a comissão política depois de sair da conferência de imprensa, para o mesmo dia, à última da hora, para ninguém ir preparado – primeira questão. Segunda questão, organizou o grupo dos seus fiéis para fazer intervenções umas a seguir às outras, a apoiar, para que não houvesse vozes discordantes. A ideia dele era que o Partido Socialista apoiasse as medidas. Fez medidas tramadas, toda a gente sabe. O mínimo era que o partido as apoiasse. Mas não falou antes. Depois o Almeida Santos fez aquilo que faz sempre: uma pessoa pode inscrever-se primeiro, mas o Almeida Santos só dá a palavra a quem acha. Os que acha que vão dizer o que não quer que digam, só vêm no fim. E no fim: “Isto está tarde, está na hora de jantar”. Isto é uma máfia que ganhou experiência na maçonaria. O Arq. Fava é maçónico, o Sócrates entrou por essa via, e os outros todos. Até o Procurador-Geral da República. Utiliza-se depois as técnicas da maçonaria – não é a maçonaria – para controlar a sua verdade. Os sucessivos governos, este em particular, pintam uma imagem cor-de-rosa da economia portuguesa. Isto é enganar as pessoas sistematicamente.

Depois aparecem críticos como o Medina Carreira ou eu a chamar a atenção para a realidade do País – chamam-nos miserabilistas! E quando podem exercem pressão nos lugares onde estão esses críticos e se puderem impedir a sua promoção ou acesso aos meios de informação, não hesitam. Isto era o que se passava antes do 25 de Abril, agora passa-se em liberdade, condicionando as pessoas, e usando o medo que têm de perder o emprego. José Sócrates, na última Comissão Política do PS, defendeu a necessidade das severas medidas assumidas pelo Governo, mas também disse que era muito difícil cortar na despesa do Estado porque a base de apoio do PS está na Administração Pública. Disse-o lá, e pediu para isso a compreensão dos presentes. Não tenho nada contra José Sócrates. Se ele se limitasse a ser um vendedor de automóveis, ser-me-ia indiferente. Mas ele é o primeiro-ministro e está a dar cabo do meu País. Não é o único, mas é o mais importante de todos".